sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Casa nova

Estou de casa nova:

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quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Linguagem pela imagem

Esta é sobre questões de perspectivas. E todo mundo se acha certo:


Imprensa do Brasil: dá para dizer sempre diferente...




Imaginário do povo de Sampa. É assim mesmo:



Tudo é relativo:



E por falar em tempo, ando pensando muito nele e nas rodas da vida:

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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A torneira da cozinha


Há coisas que fazemos porque sabemos e há outras que tentamos fazer porque achamos que sabemos ou que podemos dar conta. Foi me enquadrando nessa segunda categoria que me meti a trocar a torneira da pia da cozinha, que estava vazando por cima. Comprei a nova, coloquei minha roupa de handiman, tirei as panelas do armário que fica embaixo da pia e comecei a tarefa doméstica.

Tirar a antiga foi fácil. O fator complicador de tudo era o espaço para manobra, muito pequeno entre a parede e bacia da pia. Minha mão direita ganhou calos em todas as cinco juntas. Normal, pensei. Fazer serviços domésticos sem me machucar comprometeria minha identidade. Eu sempre me esfolo. Quando tirei a torneira velha, percebi que o registro da água que, claro, eu havia fechado não vedava completamente a passagem da água. Eram apenas gotas. Mas tal qual as gotas da tortura chinesa, essas gotinhas começaram a incomodar num crescendo e começaram a alagar tudo. E eu não conseguia encaixar a mangueira na torneira nova porque não havia encontrado o meu alicate-de-pressão, a minha ultra-mega-power ferramenta que me ajuda em tudo. Culpei a empregada, liguei para a Bia em Campinas para reclamar que mexeram nas minhas ferramentas. Enfim, a razão de eu não conseguir ir adiante era da falta de ferramenta adequada. Tentei com uma chave inglesa, mas nada. Comecei às quatro da tarde.Uma da manhã dei uma pausa para levar meu irmão ao aeroporto, sem esquecer, claro, de deixar várias bacias para coletar a água que teimava em pingar. Voltei quarenta minutos depois. Às três da manhã joguei a toalha, também encharcada, como toda cozinha.

Acabei de levar o Ronaldo de volta à loja de material de construção. Ronaldo é o encanador. Fui buscá-lo de manhã cedo, depois de passar a madrugada em claro trocando as bacias de água, que enchiam de 20 em 20 minutos. Como eu acredito mesmo que não há experiência sem aprendizado, a torneira da cozinha me ensinou algumas coisas.

O ser humano tem limites e tem de reconhecer os seus. Tentei ir além da minha capacidade e meu esforço foi em vão. Perdi tempo, paciência, ganhei calos, me molhei. Quando a gente cruza a linha do possível corre o risco de se molhar, de se machucar, de transbordar para outras áreas. Viver com o conhecido, com nossas torneiras velhas, é sempre mais fácil. No entanto, mudar as torneiras por onde passam os sentidos de nossas vidas de vez em quando é preciso, pois começam a vazar de alguma forma. Mas dá trabalho, a margem de manobra é pequena e muitas vezes não conseguimos fazer isso sozinhos. Não adianta culpar as ferramentas quando o problema é a incapacidade e a falta de preparo para lidar com elas. Aceitar os limites e pedir ajuda não nos diminui. Pelo contrário,nos permite conhecer bem melhor as nossas fronteiras.

Até que escrevo direitinho, dou aulas razoáveis, sou um pai e um marido legal, manjo de linguagem. Sei disso. Mas não sei trocar torneiras. Aprendi: sempre vai haver alguém no mundo que sabe mais do que você sobre alguma coisa. Limite. Palavra da semana. Cada um na sua, o mundo gira e a Lusitana roda.

O Ronaldo trocou a torneira em 20 minutos. Cobrou 15 reais. Dei 20. Ah, antes que eu me esqueça: ele usou uma chave-inglesa. Se a dele não fosse igual à minha, teria dado a minha para ele.

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A razão pela qual homens não trabalham em revistas femininas...

Leitora:

Caro Roberto,

Espero que você possa me ajudar.
Outro dia, de manhã, eu peguei meu carro e saí para trabalhar, deixando meu marido em casa vendo televisão, como sempre.
Eu rodei pouco mais de um quilômetro, quando o motor morreu e o carro parou. Voltei para minha casa para pedir ajuda ao meu marido.
Quando cheguei lá, nem pude acreditar naquilo que meus olhos estavam vendo. Ele estava no quarto, com a filha da vizinha!

Eu tenho 32 anos, meu marido 34, e a garota 22. Nós estamos casados há dez anos.
Quando eu o interpelei, ele confessou que eles estavam tendo um caso há seis meses.
Eu disse a ele para parar com isso, senão eu o deixaria.
Esclareço que ele foi demitido do seu emprego há seis meses e desde então tem estado muito deprimido. Eu o amo muito, mas desde que eu lhe dei aquele ultimato ele tem estado muito calado, ausente, distante.

Ele não está se cuidando e eu temo não poder tê-lo de volta nunca mais. Estou desesperada. Você pode me ajudar?

Agradeço antecipadamente.
Patrícia


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RESPOSTA de um homem

Cara Patrícia,
Quando um carro pára, depois de haver percorrido uma pequena distância, isso pode ter ocorrido devido a uma série de fatores. Comece por verificar se tem gasolina no tanque.
Depois veja se o filtro de gasolina não está entupido. Verifique também se tem algum problema com a injeção eletrônica. Se nada disso resolver o problema, pode ser que a própria bomba de gasolina esteja com defeito, não proporcionando quantidade ou pressão suficiente nos injetores.
Espero ter ajudado.
Roberto. Colunista revista feminina

Por essa e outras que homens não trabalham em revistas femininas...

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sábado, 17 de janeiro de 2009

Vetores da existência

"A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás para frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo até ser chutado para fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante para poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para faculdade. Você vai paro colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta paro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando.E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?". Foi Chaplin quem escreveu isso. No século 19, o escritor irlandês Oscar Wilde abordou o envelhecimento no romance “O Retrato de Dorian Gray”. Nele, o personagem principal, um homem extremamente vaidoso, enlouquece ao permanecer jovem, enquanto um retrato seu, escondido num armário, envelhece.

Baseado num conto do escritor F. Scott Fitzgerald, “O Curioso Caso de Benjamin Button” também aborda o envelhecimento. Benjamin (Brad Pitt) nasceu no dia em que a Primeira Guerra Mundial terminou, em 11 de novembro de 1918. Enquanto as pessoas comemoravam nas ruas de Nova Orleans, o protagonista nascia de um parto que acabou levando a vida de sua mãe. Mas Benjamin nasce com uma doença: um bebê velho, à beira da morte, que rejuvenesce na medida em que os anos avançam. Dessa forma, ele está fadado ver morrer todos que ele ama, numa trama sempre pontuada por nascimentos e mortes. Abandonado pelo pai na porta de um asilo, é acolhido por Queenie, que, considerando o bebê idoso um milagre de Deus, o acolhe como filho. A fábula é acompanhada por meio de um diário escrito por Benjamin, que, no fim de sua vida, foi parar nas mãos de Daisy (Cate Blanchett), o amor de sua vida. Ela está no leito de morte enquanto o furacão Katrina ameaça destruir Nova Orleans, o que realmente ocorreu em 2005. Enquanto sua filha Caroline lê o diário, a história se desenvolve na tela.

O filme fez-me pensar nas finitudes, nos ciclos das coisas, que nascem, crescem e morrem. Envelhecer é o caminho de todos antes da morte, a única certeza que temos na vida e que, por isso, inquieta tanto. A metáfora possível é a de que uns envelhecem e outros rejuvenescem. Há vetores que escolhemos na vida: viver na memória, com a memória ou sem memória? Não damos conta, mas essas escolhas são nossas.

Este é um filme sobre oportunidades, mesmo as que não agarramos. Elas também fazem parte de nossa história. É preciso ter força para se levantar após a queda, para se saber diferente e conviver com a diferença. A vida é amor e perda, alegria e tristeza, felicidade e dor. Vivamos o presente porque nunca sabemos o amanhã. Aprendamos a envelhecer e a viver com o que temos, sem nunca perder o brilho nos olhos. Esse é um filme para sair do cinema, lembrar dos que amamos e jurar para si mesmo: preciso viver a felicidade aqui e agora. Com o nosso termpo marcado, é desperdício viver a vida alheia. Não adianta fazer um relógio magnífico que gire para trás, como faz relojoeiro cego que o instalou na estação de trem da cidade, para que quem o visse pudesse imaginar que seus filhos não tinham morrido na guerra, mas estavam retrocedendo da trincheira para a vida que poderia ter acontecido. Por mais que se dance, como Daisy, envelhecer é exato, preciso. Ainda que viver não o seja, como diz Fernando Pessoa.

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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Anacronismo administrativo


Passados quase quinze dias da posse do prefeito de Manaus, pouco se vê de novo. Paráfrase: muito se vê do velho. As práticas de Amazonino voltaram: nomeações da filha, da filha do desembargador, da irmã do vice, da esposa do também nomeado Sidney Leite. Num típico caso de discurso – em que mudando-se as posições mudam os sentidos – nepotismo virou competência técnica e aclamação popular. “Não há nepotismo em cargos de confiança”, afiançou um advogado do grupo, levando a crer que nepotismo mesmo então só em concursos públicos.

Quem acreditou nas promessas do prefeito começa a ficar desconfiado de que levou sorva por uva. As mil creches (0,7 por dia até o fim do mandato) viraram a promessa de casas de Mãe Social, um programa assistencialista sem cunho pedagógico criado na época de Alfredo Nascimento e que Serafim tinha autorizado a desfazer aos poucos. Creche de verdade, com equipe pedagógica responsável pela educação infantil, como prega a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e como a que construiu Serafim, não dá. “É muito caro”, disse o prefeito, desconhecendo que caro ou não a educação infantil é dever da prefeitura. O turno intermediário não vai acabar nem vai a prefeitura pagar escola particular para quem nele estuda. A razão: é infactível em curto prazo e não há recursos para isso. Nas Zonas Leste e Norte simplesmente não existem prédios para alugar, obrigando a Secretaria de Educação a usar o intermediário até construir.

Por falar em SEMED, a secretária Therezinha Ruiz anulou o pregão do fardamento e do kit escolar. Para mudar as especificações, diz que. Em quatro anos o grupo do Sarafa não aprendeu a especificar cadernos nem fardamento, coitados. A explicação, ridícula para quem conhece um pouco como a coisa funciona, não vai evitar que as crianças iniciem o ano letivo sem a fardinha e sem cadernos. E com intermediário. Tudo como antes.

Na Secretaria de Obras, Américo Gorayeb demitiu 600 laranjinhas. É a urbanidade prometida. O secretário ainda não tapou um só buraco até agora. O prefeito cancelou contratos de construção de escolas – que iriam diminuir o tal do intermediário – e disse que os projetos dos prédios da educação vão voltar a ser gerenciado pela SEMOSB, revertendo a mudança feita por Serafim para dar mais rapidez às construções.

Fato é que a administração de Amazonino Mendes está perdida e não sabe por onde ir. Com os quatro anos de Serafim, a imprensa e os formadores de opinião aprenderam a ler diários oficiais e a cobrar transparência. Amazonino trouxe o mesmo time, que não sabe jogar no campo em que a informação escorre por todo lado. Não há como fazer licitação às avessas ou prender a informação. E a administração atual fica nua. A estratégia de culpar a administração anterior por ter pretensamente deixado a prefeitura um caos já está perdendo o gás. Mas ainda há as costas largas da crise para levar a culpa.

A equipe de Amazonino é, grosso modo, anacrônica. São pessoas – a começar pelo prefeito – que preferem o dominó à Internet. Salvo exceções de sempre, aprenderam a governar antes do advento da era da informação, cujos bits respiramos, e têm dificuldade em administrar fora de seu tempo. Até o Ronaldo Tirantes sentou a ripa no prefeito. Se o Ronaldo Tiradentes fez isso, aí tem. O barco deve estar fazendo água mesmo. E nem saiu do porto de lenha.

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sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Desistir&Aceitar

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quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Fotografia


Essa foi roubada do site http://ombudsmae.blogspot.com/... Isso é que é vida!

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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Assisti a "Vicky Cristina Barcelona"

Gosto muito de Woody Allen. Acabei de chegar do cinema. O filmo é ótimo. Em vez de resenhá-lo, transcrevo texto de Contardo Calligaris, embaixo do qual assino.

VICKY CRISTINA BARCELONA

Contardo Calligaris



O amor-paixão é uma tentação irresistível, é o protótipo da vida intensamente vivida

"VICKY Cristina Barcelona", de Woody Allen, estreou no Brasil na semana passada. Com muita leveza e muito bom humor, o filme me levou a pensar nos percalços da vida amorosa.
A história do verão em Barcelona de Vicky e Cristina é um pequeno tratado do amor-paixão: os espectadores terão o prazer (ou desprazer) de se reconhecer em algum lugar do leque de experiências amorosas que o filme apresenta -é um leque pequeno, mas do qual escapamos pouco. Sem resumir, eis umas notas:

1) Os casais que se amam de paixão, cujos parceiros parecem ser feitos um para o outro, em regra, acabam tentando se matar -com faca, revólver ou qualquer outro instrumento (cf. Juan Antonio e Maria Emilia). É porque, se o outro me completa e vice-versa, o risco é que nenhum de nós sobreviva à nossa união -ao menos, não como ente separado e distinto. Mas, por mais que seja ameaçadora, a paixão amorosa é uma tentação irresistível (cf. Cristina, Vicky, Judy) por uma razão simples: nas narrativas de nossa cultura, ela é o protótipo ideal da experiência plena, da vida intensamente vivida.

2) Por sorte ou não, o amor-paixão é raro. A maioria de nós vive relações menos "interessantes" e menos fatais -relações em que a gente se preocupa em criar os filhos, decorar a casa, ganhar um dinheiro ou jogar golfe (cf. Vicky e Doug, Judy e Mark). Não seria tão mal, salvo pelo detalhe seguinte: em geral, nesses casais "normais", ao menos um dos parceiros vive com a sensação de que sua escolha amorosa é resignada, fruto de um comodismo medroso: "O outro não é bem o que eu queria; culpa minha, que não tive a coragem de me arriscar a amar..."

Detalhe: como o amor-paixão é um ideal cultural, não é preciso ter atravessado a experiência da paixão para idealizá-la (as más línguas diriam, aliás, que é mais fácil idealizá-la sem tê-la vivido em momento algum).

3) Os que parecem não idealizar o amor-paixão passam o tempo se protegendo contra ele. Deve ser por isto que a "normalidade" amorosa pode ser insuportavelmente chata: porque ela exige a construção esforçada de defesas contra a paixão -argumentos morais e sociais, sempre mais "razoáveis" do que racionais (cf. Mark, Doug). Num casal, quem critica a doidice da paixão não parece sábio aos olhos de sua parceira ou de seu parceiro; ao contrário, ele parece, quase sempre, pequeno e um pouco covarde (cf. Vicky e Doug, Judy e Mark).

4) A paixão não é uma coisa que a gente possa encontrar saindo pelo mundo como um turista da vida (cf. Cristina). Pois não basta esbarrar na paixão; ainda é preciso encará-la quando ela se apresenta.

Pode ser que, um dia, se ela conseguir matar Juan Antonio com um tiro certeiro, Maria Emilia seja internada ou presa. Pode ser que Juan Antonio seja um sujeito amoral e, por isso, perigoso. Pode ser que Vicky seja desesperadamente normal, trocando a chance de amar por uma casa num subúrbio norte-americano (estou sendo injusto com Vicky: na verdade ela tenta...).
Mas, para mim, a mais "patológica" de todas as personagens do filme é Cristina. Sua aparente abertura para a vida ("Ela não sabia o que queria, mas sabia o que não queria", narra a voz em off) é apenas uma versão "bonita" e literária de sua "insatisfação crônica" (diagnosticada por Maria Emília, com razão). Nisso, Cristina é muito próxima da gente: ela quer e consegue brincar com a paixão, mas sem perder a ilusão da liberdade ou o sonho do que ela poderia encontrar na próxima esquina.

Por isso, sua voracidade é a do turista: tira muitas fotos pelo mundo afora, mas será que ela se deixa tocar pela vida?

5) Disse que "Vicky Cristina Barcelona" trata dos percalços da vida amorosa com leveza e bom humor; de fato, saí do cinema sorrindo, e não era o único. Mas a amiga que me acompanhava comentou: "Adorei, mas é um filme triste". "Como assim?", estranhei. Ela respondeu, com razão: "É um filme triste porque os personagens se apaixonam, vivem sentimentos fortes, mas, no fim, tudo isso não transforma ninguém. Vicky e Cristina vão embora iguais ao que elas eram no começo, sobretudo Cristina...".

Minha amiga tinha razão. O amor e a paixão não nos fazem necessariamente felizes, mas são uma festa e uma alegria porque deles podemos esperar ao menos isto: que eles nos tornem um pouco outros, que eles nos mudem. Agora, nem sempre funciona...

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O Verbo e a Verba

Na administração pública é importante a afinação entre o verbo e a verba.

O verbo sem a verba é um ser sozinho. Não adianta propagandear que se vai fazer mil coisas se não houver lastro no planejamento e na disponibilidade de verbas para sua execução. Todo administrador sabe que os recursos públicos são finitos e a demanda infinita. O cobertor é maior do que o corpo e é necessário decidir o que será coberto e o que ficará descoberto. Se assim não for, o verbo do anúncio programático da administração logo se tornará pó de promessa não cumprida. Hoje se sabe o que o eleitor faz com quem promete e não cumpre.

A verba sem o verbo também é um ente solitário. Determinar as prioridades de investimento é o básico de qualquer administrador responsável. No entanto, de nada servem o melhor planejamento e a mais transparente execução da verba sem a devida reverberação no verbo, sem a publicização dos feitos administrativos. Aliás, servem de motivo para a verberação da oposição, ainda que medíocre como muitas que a gente conhece.

Como qualquer verbo, o verbo do administrador público requer concordância verbal. Mesmo em posições diferentes, todos os seus auxiliares devem habitar um só discurso, convergindo para a compreensão única do que seja administrar a coisa pública, fazendo política transparente. Todos devem saber das responsabilidades das vozes do coral administrativo. Sem identidade no discurso, a imagem do administrador fragmenta-se, fica difusa. Para os auxiliares desafinados, há duas alternativas: exercitar-se atrás da afinação ou ceder lugar no palco. Uma voz fora do tom põe a perder a mais bela cantata de Bach.

Dentro da lei, os auxiliares do administrador público devem atender as demandas políticas. No entanto, esse atendimento não pode sacrificar os marcos conceituais da administração, pois eles sustentam a imagem criada pelo uso competente da verba, imagem que só vingará com o trabalho da comunicação, do uso competente do verbo.

Mesmo finitas, as verbas públicas bem usadas e acompanhadas de verbos eficientes transformam-se em capital político para o administrador na eleição seguinte. Sem um trabalho de linguagem que traduza os feitos administrativos em sentimento de realização dos anseios populares, o administrador some. No máximo, ficará como uma boa experiência eleitoral.

A utilização incorreta dos recursos públicos pode até ser disfarçada por uma boa propaganda. Mas assim como o consumidor não repete a dose de um produto ruim, o eleitor impõe o ostracismo político ao mau administrador do seu dinheiro.

Por fim, o casamento do verbo e da verba não tem efeito retroativo. Se o administrador usou a verba e não usou o verbo como devia, não adianta encher o eleitor de informações às vésperas do pleito porque, mais do que um produto, imagem é um processo. E se não usou a verba como devia, é inútil usar o verbo em propagandas ou artigos de jornais para dizer que fez e aconteceu porque as palavras tropeçam em suas próprias pernas curtas.

No casamento da verba com o verbo ganham o bom administrador e a população. Na briga da verba contra o verbo perdemos todos.

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domingo, 4 de janeiro de 2009

Acabei de ler: "O olho da rua", Eliane Brum


Pouca gente sabe, mas quase fui jornalista. Na hora de escolher que curso fazer no vestibular, fiquei entre Jornalismo e Letras, optando pelo segundo. Mas gosto muito do tema "comunicação", que tem sua interface com as Letras pela linguagem.

Por conta desse interesse, comprei, li e gostei do livro "O olho da rua", da jornalista Eliane Brum. Do surgimento de uma vida no meio da Amazônia, pelas mãos de parteiras da floresta, até os últimos 115 dias de vida de uma merendeira de escola em São Paulo. É por este universo que transita a jornalista em seu livro. Essas duas histórias e outras oito presentes na obra, cujo prefácio é de Caco Barcellos, revelam o estilo da autora, marcado pela delicadeza mesmo ao falar sobre temas áridos. Todas foram publicadas em ÉPOCA, mas de forma reduzida. Agora, o leitor terá a oportunidade de conferir os relatos de Eliane na íntegra.

Em "O Olho da Rua", a jornalista inova ao fazer uma reflexão sobre seu trabalho. Para cada reportagem, ela escreveu um texto sobre os dilemas que enfrentou, as escolhas que fez e os erros que cometeu. É um sincero reconhecimento das limitações do jornalismo.

Clique aqui para ler, na íntegra, a reportagem Casa de Velhos, na qual a autora conta a história de moradores de um asilo no Rio de Janeiro. Leia também o making of dessa história, em que Eliane relata por que essa reportagem, especificamente, é especial para ela. "A Casa de Velhos é uma de minhas reportagens preferidas – e é a que mais me dói. Ainda hoje ela dói muito. Porque errei feio."

É o segundo livro de Eliane que leio. O primeiro, A vida que ninguém vê, é uma coletânea de histórias reais sobre a extraordinária vida das pessoas comuns, foi reconhecido com o Prêmio Jabuti 2007, na categoria melhor livro de reportagem. Recomendo ambos.

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Adeus a um prefeito singular

José Ribamar Bessa Freire

Prezado Serafim Corrêa (PSB)

Saudações!

Escrevo essa carta, mas não repare os senões, para dizer o que penso sobre a sua administração nestes últimos quatro anos como prefeito de Manaus, uma cidade que, desde a época em que se chamava Lugar da Barra, foi sistematicamente saqueada e pilhada por seus governantes. Quem diz isso não sou eu. É Bertino de Miranda, autor do livro publicado em 1908: ‘A Cidade de Manáos – Sua história e seus motins políticos’.

O rei de Portugal nomeava bandidos para governar a Capitania do Rio Negro. Um deles, Joaquim Tinoco Valente (1763-1779), “homem pobre, avarento e sem instrução”, meteu-se nas “negociatas mais sórdidas e abjetas”, uma das quais foi roubar as “camisas e meias dos soldados que o Rei manda distribuir todos os anos pelas tropas na América”. Esse é o inspirador, o herói, o modelo do Zé Mello Merenda. Depois dele, José Antônio Évora, membro da Junta Governativa (1786), nomeou o filho Felipe Évora almoxarife do Erário. Dessa forma, comprou fazendas de gado e ficou podre de rico.

Era comum dar trambiques e desfalques. José Joaquim Vitório (1806-1818) entrou pobre no governo e, em doze anos, se tornou dono da “célebre chácara no Tarumã, onde explorava os índios na plantação de café e canela. Um escândalo”. Ele roubou, roubou, mas roubou TANTO que Governador Vitório é, hoje, nome de rua, no centro de Manaus, cidade que reverencia e celebra seus corruptos. Foi substituído por Manoel Joaquim do Paço (1818-1821), o governador depravado, chefe da ‘quadrilha de facínoras’, que extorquia os empresários da construção civil (Taquiprati 10/12/96).

De lá para cá, mudou a forma de escolher os governantes. O rei, agora, é o povo, o eleitor, mantido desinformado. Talvez, por isso, não mudou a natureza dos políticos, que continuam usando os cargos para enriquecer. A maior parte deles só quer mesmo é “se arrumar”. Conspurcaram a política. De uma atividade bela e nobre feita por pessoas que dedicam suas vidas ao bem comum – tal como idealizaram os filósofos gregos – a política passou a ser algo asqueroso, o chiqueiro da sociedade. Com isso, mataram as esperanças de jovens idealistas, que hesitam em se enlamear.

O chiqueiro

Em todo o Brasil, políticos eleitos têm problemas com a Justiça e só conseguem tomar posse graças a advogados bem pagos, competentes e inescrupulosos, que contam com a cumplicidade de um Judiciário muitas vezes venal. O currículo deles é folha corrida da policia, cheia de antecedentes criminais. Exagero? De uma lista de 38 vereadores de Manaus, me diga, honestamente, quantos demonstram preocupação com o bem comum, a justiça, o bom governo, a coisa pública? Quatro, três, dois? Pobre Manaus!

Em 2004, Serafim derrotou os velhos esquemas de poder enraizados na sociedade amazonense. Elegeu-se prefeito de Manaus, numa coligação pela mudança social. O que fez? Qual o balanço de sua gestão? A oposição diz que a cidade está esburacada, que a água não chega a vários bairros, que foi um erro nomear seu filho Marcelo Corrêa secretário de articulação política, que Serafim foi um prefeito singular: construiu apenas uma creche, um viaduto, uma maternidade, um centro de educação especial e reformou um cemitério. Tudo no singular.

Numa democracia, esse é o papel da oposição: criticar. Não moro em Manaus, não contei os buracos nas ruas. Aqui de longe não posso ver a árvore, é verdade, mas vejo o bosque, a floresta, que quem está perto não enxerga. Assim, distanciado, me parece que sua singularidade foi outra. Sabe qual foi? Em vez de meter o pé-de-cabra nos cofres públicos para enriquecer, ele tentou promover o bem comum, com erros e acertos, divorciando a política da bandidagem. Isso, no Amazonas, é singular.

O bem comum consiste na defesa dos direitos e deveres do cidadão, sobretudo os mais frágeis, os lascados, os humilhados, os excluídos dos serviços de educação e saúde. Em quatro anos, Manaus se tornou a terceira cidade brasileira em número de alunos na rede municipal de ensino, perdendo apenas para o Rio e São Paulo. São 247 mil crianças, com aulas dadas por mestres valorizados. O professor de 20 horas, nível 1, ganhava R$ 509,00, no início da gestão. Hoje, ganha R$1.095,00, um aumento de 115%, numa inflação acumulada no período de 26,7.

Fala aos moços

E daí, Serafim? Qualquer prefeito pode construir, reformar, ampliar e climatizar as escolas municipais, fornecer merenda, uniforme e kit escolar com uma original borracha socialista, como foi feito (Taquiprati, 02/04/06). Sua gestão escolheu diretores das escolas com base no mérito e não no apadrinhamento de edis trambiqueiros, olhou para os índios urbanos, garantiu um Plano de Cargos para a área da saúde, reformou 158 casinhas do médico da família, implantou o remédio fácil, criou um fundo de previdência para funcionários. E daí? Nada disso teria valor, sem transparência.

Essa foi sua grande singularidade. Todas as contas da Prefeitura estão na internet. È possível saber o credor e o valor recebido, a arrecadação de tributos, fluxo de caixa, pagamentos. A Prefeitura de Manaus, uma das primeiras do Brasil que implantou este serviço, emite nota fiscal eletrônica, criou comissões de licitações, com realização de pregão – um leilão ao contrário - o que gerou uma economia significativa para os cofres públicos. A transparência do pregão eletrônico fez com que empresas de outros estados passassem a disputar a licitação e a prestar serviços para a prefeitura.

O Governador Vitório acharia que só um ‘otário’ abre o jogo assim e sai do governo com os mesmos bens com os quais entrou, conforme mostra a declaração de bens publicada no Diário Oficial do Município (23/12) de Serafim, um prefeito realmente singular, pois provou que é possível viver no chiqueiro sem se emporcalhar. Ensinou que se pode perder uma eleição com elegância, serenidade e sabedoria. Quem sabe, isso não estimula os jovens bem intencionados a entrarem na política?

Na sua ‘Fala aos moços’, Darcy Ribeiro diz: “Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isto não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que nos venceram nessas batalhas”. Suspeito que os eleitores de Serafim compartilham esse sentimento, sabendo que a luta continua. Ele, que agora conhece melhor a máquina, tem o dever de nos ajudar a defender essas conquistas da sociedade amazonense contra sua raiz histórica apodrecida.

P.S. 1 – A coluna criticou aqui a gestão Serafim, sobretudo na questão ambiental, onde faltou coragem para defender os fragmentos de floresta na cidade. Se ele fosse reeleito, as criticas continuariam, com gozação sobre a inauguração do cemitério no último dia do ano. Esperamos sua volta ao poder para cobrar dele umas boas chineladas na bunda do Marcelo, cuja eleição para deputado federal, na forma como foi feita, contribuiu para selar a derrota do pai na prefeitura.

P.S. 2 - Artigo similar – Os dois filhos de arigós - reconhecendo a contribuição de Arthur Neto e Felix Valois para a vida política do Amazonas foi publicado em 29/12/1992 (www.taquiprati.com.br).

José Ribamar Bessa Freire, até onde consta nos autos, um cidadão amazonense sem cargo na Prefeitura.

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sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Um texto antigo para recordar...

O homem romântico

O homem romântico, dizem, é como o tangará: ser raro em extinção, cujo nome poucos reconhecem. O tangará é uma ave que raramente pousa no chão, passando a maior parte do tempo em árvores. O homem romântico também é um nefelibata, habitante das nuvens do pensamento, procurando sempre formas diferentes de cortejar sua amada. Sim, robertocarlianamente ele ainda chama de querida a sua amada.

O homem romântico sabe que não precisa inventar muito para demonstrar o seu amor verdadeiro. Por isso, o homem romântico recorre à dúzia de rosas, caixas de chocolate e cartões com mensagens lindas nos dias especiais. Ele nunca esquece um dia especial. Para o homem romântico, a propósito, qualquer dia pode virar um dia especial. Ele sabe que isso só depende dele. Ele, como ninguém, vive o tal carpe diem.

Um homem romântico se importa com os detalhes. Nos detalhes que moram as diferenças. Um homem romântico abre a porta do carro, da sala, do coração. O homem romântico cede seu lugar. O homem romântico escreve bilhetinhos desejando um bom-dia ou boa sorte na entrevista para aquele emprego novo e o coloca escondido na bolsa da amada. O homem romântico é um Anchieta de espelho de banheiro, escrevendo mensagens poéticas que acordam o dia da mulher com palavras especiais. O homem romântico, se preciso, tira sua camisa para abrigar a mulher na chuva torrencial sem medo de que ela pense que ele quer compensar alguma desvantagem com essa atitude.

O homem romântico sabe da praticidade de uma geladeira, mas prefere como presente um jantar a dois naquele mesmo restaurante onde a história registrou momentos da concepção do romance. Naquela mesma mesa. Para repetir os mesmos gestos. De preferência sob a mesma trilha sonora. Um homem romântico constrói a dedo a trilha sonora. Escolhe as músicas, como escolhe as formas de agradar.

O homem romântico vive em qualquer lugar como se fosse sua casa. Ser feliz e fazer os outros felizes é sua guerra particular. O homem romântico é um sonhador, não um deslumbrado. Age por paixão, mas a paixão do tipo que liberta e não a do tipo que escraviza. Cortês sem excesso, para o homem romântico ninguém pode tratar uma mulher melhor do que ele. Fraterno sem invasão, para o homem romântico a sua é a mais confortante das companhias possíveis. Pelo menos, não mede esforços para que seja. O homem romântico provoca sorrisos quando chega e vazios quando vai. Deixa no ar o desejo de sua presença. Faz com que anseiem pelo seu perfume.

O homem romântico gosta de mulher. Não só no sentido sexual do termo. Também, claro. Mas o homem romântico sabe que gostar de mulher é prestar atenção nela, é ter a sensibilidade para cativá-la a cada momento e compreender sua peculiaridade. É ter paciência para conviver com sua necessidade de falar ou para sobreviver quando isso estiver além de sua limitação masculina. É respeitar seu tempo. É ouvi-la contar como foi seu dia, sorvendo cada palavra e lastimando genuinamente não ter estado presente. O que faz um homem romântico é a vontade de entender a mulher. Porque a mulher é um bicho complicado e difícil de entender. Mas essa curiosidade é constitutiva do homem romântico e ele tem essa curiosidade. Mas o homem romântico, registre-se, pode virar um ogro se sentir que outro homem corteja a sua mulher.

O homem romântico, apesar de pleno, é um incompleto. Sabe ele que se completa em sua mulher. Quando a beija, quando a abraça, quando suam juntos, quando a penetra. Todavia, o homem romântico sabe que a penetração do corpo nada vale sem a prévia penetração da alma. E é fato: o fazer amor do homem romântico começa bem antes do encontro dos corpos, nos sorrisos, palavras, silêncios que antecederam, cheios de sentidos compartilhados. O homem romântico deriva seu prazer do prazer que faz a mulher sentir. A medida de seu prazer é a realização do dela. O homem romântico vive a saga de encher sua mulher de beijos de todos os tipos: carinhosos, fogosos, apaixonados, molhados, permitidos, roubados, fortes e delicados. Um festival deles. Em todos os lugares. Várias vezes. Por breves e longos tempos. Na aparente e inocente leitura de fragilidade que acompanha o homem romântico se esconde um amante único, inesquecível. Como ninguém ama sozinho, o homem romântico sabe que sem o feminino o masculino não existe. Ele sabe-se um Yang frágil, completamente dependente do Yin fontal.

O homem romântico adora surpreender sua mulher. Inventar um programa especial sem hora marcada. Enviar uma pizza em que esteja escrito “I Love You” com catupiri. Ligar às seis da manhã para desejar bom-dia, mandar uma mensagem só para dizer que sente sua falta. Fazer aquele prato que ela gosta tanto. Ser chef de sua degustação. O homem romântico consegue num toque de pés sob a mesa dizer o que quer e ser plenamente entendido.

O homem romântico olha sua mulher dormindo como se fosse a mais bela escultura de Michelangelo. Para ele é. Seu olhar pousa em seu corpo em repouso com a maciez de seus pensamentos. Analisa a boca, acompanha a respiração. Admira os cabelos emaranhados na beleza selvagem do momento que segue a ternura. O homem romântico acorda sua mulher com beijos em seus olhos, pescoço e uma mordidinha muito de leve na ponta do seu nariz. O homem romântico não sai sem um carinho de despedida.

O homem romântico é um romântico gratuito. Faz tudo isso sem cobrar nada, a não ser a eterna presença do olhar terno que recebe ao ser romântico. Ele é movido à ternura. Ele é movido a carinho. Ele é movido a amor. O homem romântico é um total flex afetivo.

Um homem romântico, poucos sabem, está em cada homem. Nuns, adormecido e amordaçado, esperando o seu resgate por um amor verdadeiro, daqueles que nos deixam bobos e leves. Noutros, já liberto e tresloucado, fazendo a hora de seu romantismo, fazendo de sua mulher a mulher que mais deseja um homem. Aquele homem que a encanta, que a seduz, que lhe dá prazer, que a enreda em seu olhar, que a prende no seu infalível visgo, que a entrelaça na sua sombra e que a atrai feito imã, obliterando sua razão porque chaveia nela a emoção mais pura, que vem sabe-se lá de onde e que ela sequer sabia que tinha dentro de si. O homem romântico é um irresistível que não resiste a uma paixão verdadeira, paixão que, num círculo virtuoso, não resiste a ele igualmente. Com o homem romântico, simplesmente acontece. Que me perdoem os trogloditas, mas ser romântico é fundamental. Homem que é homem chora de e por amor. Porque é verdadeiro, porque é macho. Porque é romântico. Quando lhes dão asas, o homem romântico voa alto. Que nem o tangará. Que nem o tangará.

S.

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Sérgio Augusto Freire de Souza
27 de agosto de 2008.

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quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Acordo Ortográfico

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que entra em vigor hoje, foi assinado em Lisboa, em 1990, e ratificado pelo Brasil, Portugal e por outros três países de língua portuguesa.

Para quem não conhece o acordo: o trema deixa de existir, a não ser em nomes próprios. O hífen não é mais usado quando o segundo elemento começar com 'r' ou 's'. Essas letras deverm ser duplicadas (antissemita e contrarregra). Também não é mais usado quando o primeiro elemento terminar em vogal e o segundo elemento começar com uma vogal diferente (extraescolar e autoestrada). O circunflexo não é mais usado nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler e ver (creem, leem, deem). Apenas quando os prefixos terminarem em "r" se mantem o hífen (hiper-realista, super-resistente). O acento circunflexo também não é mais usado em palavras terminadas com hiato 'oo', como em enjoo e em voo. O acento agudo não é mais usado em palavra terminada em 'eia' e 'oia' (ideia, jiboia). Os portugueses deixam, por exemplo, de escrever "húmido" para escrever "úmido". Desaparecem também da grafia em Portugal o "c" e o "p" mudos, como em "acção" e "óptimo". Com a incorporação do "k", "w" e "y", o alfabeto deixa de ter 23 letras para ter 26.

Como toda proposta, a da unificação ortográfica traz debates acalorados. Entre os argumentos a favor estão a maior penetrabilidade da língua portuguesa no mundo (ainda pequena apesar de ser uma das mais faladas, quer em número de falantes quer em número de países), a ampliação do mercado editorial para os países lusófonos sem o custo da adaptação, a abertura para um entendimento entre Portugal e o Brasil sobre a certificação comum de proficiência em língua portuguesa para estrangeiros (o Brasil emite hoje o certificado CELPE-Bras, enquanto que em Portugal o único diploma válido é o emitido pelo Instituto Camões), além da expansão e do fortalecimento da cooperação educacional em língua portuguesa. Os do contra alegam que ela é insuficiente para atingir seus propósitos, uma vez que muitas palavras continuarão apresentando possíveis variantes ortográficas; sustentam que haverá uma súbita obsolescência de dicionários, gramáticas e livros, além de uma custosa reaprendizagem ortográfica por parte de uma grande massa de pessoas, incluindo crianças.

A favor ou contra, o certo é que a reforma é destinada à língua escrita e, portanto à normatização da língua culta padrão, não atingindo a oralidade dos países lusófonos. Com ou sem trema ou circunflexo, diga-se, a lingüiça/linguiça continuará dando enjôo/enjoo em muita gente. A unificação tem lá suas vantagens, mas uma língua não se estabelece no mundo por unificação ortográfica, mas por peso simbólico de sua economia e sua influência geopolítica, vide o caso do inglês e, mais recentemente, do chinês, que já começa a ser estudado devido ao seu boom econômico.

A questão estética do acordo, de fundo econômico, aponta para uma outra mais urgente, de fundo social: a do letramento, que é o uso social da linguagem, tema que merece um texto próprio e ao qual voltarei em breve. Um detalhe: agora sou doutor em linguística, sem trema.

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