sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Um texto antigo para recordar...

O homem romântico

O homem romântico, dizem, é como o tangará: ser raro em extinção, cujo nome poucos reconhecem. O tangará é uma ave que raramente pousa no chão, passando a maior parte do tempo em árvores. O homem romântico também é um nefelibata, habitante das nuvens do pensamento, procurando sempre formas diferentes de cortejar sua amada. Sim, robertocarlianamente ele ainda chama de querida a sua amada.

O homem romântico sabe que não precisa inventar muito para demonstrar o seu amor verdadeiro. Por isso, o homem romântico recorre à dúzia de rosas, caixas de chocolate e cartões com mensagens lindas nos dias especiais. Ele nunca esquece um dia especial. Para o homem romântico, a propósito, qualquer dia pode virar um dia especial. Ele sabe que isso só depende dele. Ele, como ninguém, vive o tal carpe diem.

Um homem romântico se importa com os detalhes. Nos detalhes que moram as diferenças. Um homem romântico abre a porta do carro, da sala, do coração. O homem romântico cede seu lugar. O homem romântico escreve bilhetinhos desejando um bom-dia ou boa sorte na entrevista para aquele emprego novo e o coloca escondido na bolsa da amada. O homem romântico é um Anchieta de espelho de banheiro, escrevendo mensagens poéticas que acordam o dia da mulher com palavras especiais. O homem romântico, se preciso, tira sua camisa para abrigar a mulher na chuva torrencial sem medo de que ela pense que ele quer compensar alguma desvantagem com essa atitude.

O homem romântico sabe da praticidade de uma geladeira, mas prefere como presente um jantar a dois naquele mesmo restaurante onde a história registrou momentos da concepção do romance. Naquela mesma mesa. Para repetir os mesmos gestos. De preferência sob a mesma trilha sonora. Um homem romântico constrói a dedo a trilha sonora. Escolhe as músicas, como escolhe as formas de agradar.

O homem romântico vive em qualquer lugar como se fosse sua casa. Ser feliz e fazer os outros felizes é sua guerra particular. O homem romântico é um sonhador, não um deslumbrado. Age por paixão, mas a paixão do tipo que liberta e não a do tipo que escraviza. Cortês sem excesso, para o homem romântico ninguém pode tratar uma mulher melhor do que ele. Fraterno sem invasão, para o homem romântico a sua é a mais confortante das companhias possíveis. Pelo menos, não mede esforços para que seja. O homem romântico provoca sorrisos quando chega e vazios quando vai. Deixa no ar o desejo de sua presença. Faz com que anseiem pelo seu perfume.

O homem romântico gosta de mulher. Não só no sentido sexual do termo. Também, claro. Mas o homem romântico sabe que gostar de mulher é prestar atenção nela, é ter a sensibilidade para cativá-la a cada momento e compreender sua peculiaridade. É ter paciência para conviver com sua necessidade de falar ou para sobreviver quando isso estiver além de sua limitação masculina. É respeitar seu tempo. É ouvi-la contar como foi seu dia, sorvendo cada palavra e lastimando genuinamente não ter estado presente. O que faz um homem romântico é a vontade de entender a mulher. Porque a mulher é um bicho complicado e difícil de entender. Mas essa curiosidade é constitutiva do homem romântico e ele tem essa curiosidade. Mas o homem romântico, registre-se, pode virar um ogro se sentir que outro homem corteja a sua mulher.

O homem romântico, apesar de pleno, é um incompleto. Sabe ele que se completa em sua mulher. Quando a beija, quando a abraça, quando suam juntos, quando a penetra. Todavia, o homem romântico sabe que a penetração do corpo nada vale sem a prévia penetração da alma. E é fato: o fazer amor do homem romântico começa bem antes do encontro dos corpos, nos sorrisos, palavras, silêncios que antecederam, cheios de sentidos compartilhados. O homem romântico deriva seu prazer do prazer que faz a mulher sentir. A medida de seu prazer é a realização do dela. O homem romântico vive a saga de encher sua mulher de beijos de todos os tipos: carinhosos, fogosos, apaixonados, molhados, permitidos, roubados, fortes e delicados. Um festival deles. Em todos os lugares. Várias vezes. Por breves e longos tempos. Na aparente e inocente leitura de fragilidade que acompanha o homem romântico se esconde um amante único, inesquecível. Como ninguém ama sozinho, o homem romântico sabe que sem o feminino o masculino não existe. Ele sabe-se um Yang frágil, completamente dependente do Yin fontal.

O homem romântico adora surpreender sua mulher. Inventar um programa especial sem hora marcada. Enviar uma pizza em que esteja escrito “I Love You” com catupiri. Ligar às seis da manhã para desejar bom-dia, mandar uma mensagem só para dizer que sente sua falta. Fazer aquele prato que ela gosta tanto. Ser chef de sua degustação. O homem romântico consegue num toque de pés sob a mesa dizer o que quer e ser plenamente entendido.

O homem romântico olha sua mulher dormindo como se fosse a mais bela escultura de Michelangelo. Para ele é. Seu olhar pousa em seu corpo em repouso com a maciez de seus pensamentos. Analisa a boca, acompanha a respiração. Admira os cabelos emaranhados na beleza selvagem do momento que segue a ternura. O homem romântico acorda sua mulher com beijos em seus olhos, pescoço e uma mordidinha muito de leve na ponta do seu nariz. O homem romântico não sai sem um carinho de despedida.

O homem romântico é um romântico gratuito. Faz tudo isso sem cobrar nada, a não ser a eterna presença do olhar terno que recebe ao ser romântico. Ele é movido à ternura. Ele é movido a carinho. Ele é movido a amor. O homem romântico é um total flex afetivo.

Um homem romântico, poucos sabem, está em cada homem. Nuns, adormecido e amordaçado, esperando o seu resgate por um amor verdadeiro, daqueles que nos deixam bobos e leves. Noutros, já liberto e tresloucado, fazendo a hora de seu romantismo, fazendo de sua mulher a mulher que mais deseja um homem. Aquele homem que a encanta, que a seduz, que lhe dá prazer, que a enreda em seu olhar, que a prende no seu infalível visgo, que a entrelaça na sua sombra e que a atrai feito imã, obliterando sua razão porque chaveia nela a emoção mais pura, que vem sabe-se lá de onde e que ela sequer sabia que tinha dentro de si. O homem romântico é um irresistível que não resiste a uma paixão verdadeira, paixão que, num círculo virtuoso, não resiste a ele igualmente. Com o homem romântico, simplesmente acontece. Que me perdoem os trogloditas, mas ser romântico é fundamental. Homem que é homem chora de e por amor. Porque é verdadeiro, porque é macho. Porque é romântico. Quando lhes dão asas, o homem romântico voa alto. Que nem o tangará. Que nem o tangará.

S.

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Sérgio Augusto Freire de Souza
27 de agosto de 2008.

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quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Acordo Ortográfico

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que entra em vigor hoje, foi assinado em Lisboa, em 1990, e ratificado pelo Brasil, Portugal e por outros três países de língua portuguesa.

Para quem não conhece o acordo: o trema deixa de existir, a não ser em nomes próprios. O hífen não é mais usado quando o segundo elemento começar com 'r' ou 's'. Essas letras deverm ser duplicadas (antissemita e contrarregra). Também não é mais usado quando o primeiro elemento terminar em vogal e o segundo elemento começar com uma vogal diferente (extraescolar e autoestrada). O circunflexo não é mais usado nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler e ver (creem, leem, deem). Apenas quando os prefixos terminarem em "r" se mantem o hífen (hiper-realista, super-resistente). O acento circunflexo também não é mais usado em palavras terminadas com hiato 'oo', como em enjoo e em voo. O acento agudo não é mais usado em palavra terminada em 'eia' e 'oia' (ideia, jiboia). Os portugueses deixam, por exemplo, de escrever "húmido" para escrever "úmido". Desaparecem também da grafia em Portugal o "c" e o "p" mudos, como em "acção" e "óptimo". Com a incorporação do "k", "w" e "y", o alfabeto deixa de ter 23 letras para ter 26.

Como toda proposta, a da unificação ortográfica traz debates acalorados. Entre os argumentos a favor estão a maior penetrabilidade da língua portuguesa no mundo (ainda pequena apesar de ser uma das mais faladas, quer em número de falantes quer em número de países), a ampliação do mercado editorial para os países lusófonos sem o custo da adaptação, a abertura para um entendimento entre Portugal e o Brasil sobre a certificação comum de proficiência em língua portuguesa para estrangeiros (o Brasil emite hoje o certificado CELPE-Bras, enquanto que em Portugal o único diploma válido é o emitido pelo Instituto Camões), além da expansão e do fortalecimento da cooperação educacional em língua portuguesa. Os do contra alegam que ela é insuficiente para atingir seus propósitos, uma vez que muitas palavras continuarão apresentando possíveis variantes ortográficas; sustentam que haverá uma súbita obsolescência de dicionários, gramáticas e livros, além de uma custosa reaprendizagem ortográfica por parte de uma grande massa de pessoas, incluindo crianças.

A favor ou contra, o certo é que a reforma é destinada à língua escrita e, portanto à normatização da língua culta padrão, não atingindo a oralidade dos países lusófonos. Com ou sem trema ou circunflexo, diga-se, a lingüiça/linguiça continuará dando enjôo/enjoo em muita gente. A unificação tem lá suas vantagens, mas uma língua não se estabelece no mundo por unificação ortográfica, mas por peso simbólico de sua economia e sua influência geopolítica, vide o caso do inglês e, mais recentemente, do chinês, que já começa a ser estudado devido ao seu boom econômico.

A questão estética do acordo, de fundo econômico, aponta para uma outra mais urgente, de fundo social: a do letramento, que é o uso social da linguagem, tema que merece um texto próprio e ao qual voltarei em breve. Um detalhe: agora sou doutor em linguística, sem trema.

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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Um 2009 alado.

Que 2009 seja um ano alado! Que as asas dos desejos e das vontades lhe levem aos melhores momentos de sua vida. 2008 foi-se. Que vá, levando as coisas ruins e chatas. Que passe o bastão dos novos desafios e das mudanças para o ano que entra tomar conta e correr feliz para a linha de chegada. Viva! Intensamente. Sem arrependimentos e pleno de novas emoções, sensações e descobertas. E que aquele plano secreto, que você não contou pra ninguém, também se concretize. É o que quero para mim. É o que eu desejo para você que me lê, daqui do meio do mato, nos arredores de Campinas. Beijo gordo e feliz. SF.

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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Espelho, espelho meu...

O que mais impressionou Elaine não era o fato de Eupídio ser carinhoso e atencioso com ela. Claro que isso também contava. Mas ela se interessou de vez por ele quando percebeu que ele deixava sempre o último pedaço, a última cereja do bolo, a última almondega, o último gole de coca-cola para ela. Elaine tinha uma teoria: enquanto o outro lhe cede o último pedaço de comida o amor ainda existe. Abrir mão de comida era para ela a prova suprema de que a felicidade do outro é prioridade, ainda que a custo de nossa fome. Ela chamava isso de jujum do amor.

Na verdade, Elaine era uma mulher de teorias. Defendia uma outra que chamava de banquete dos leões. Dizia que quando o casal não mais protegesse um ao outro, mas, ao contrário, quando um cônjuge começasse a oferecer o outro de bandeja para ser objeto de chacota da sua família, os leões da teoria, o amor já estava dando sinais que partira.

Eupídio, por sua vez, era um cara tranqüilo. Levava as teorias da mulher na boa, como se fosse um jogo argumentativo no qual entrava por diversão, nunca a sério. Deixava a última porção sempre para ela porque era um cavalheiro, numa época em que isso soa démodé. Jamais permitia que ela fosse objeto dos papos ácidos de sua família, nos almoços de domingo, porque a amava. Era atencioso porque sabia que tudo que uma mulher precisa é de atenção, alguém que a ouça. Mulheres são movidas a silêncio dos outros.

Um dia, Elaine colocou na cabeça que Eupídio não gostava mais dela. Do nada. Ele continuava deixando a última colherada do mousse de cupuaçu para ela. Nunca havia deixado que ninguém da família dele falasse sequer uma vírgula a criticando, a despeito de suas infinitas manias que se sobressaiam a olhos vistos e de seu ciúme shakespeareano. Sempre que ela falava ele não só ouvia como escutava. Mas ela encasquetou. Na hora do café da manhã.

– Mas, Laine, por que...
– Você não gosta mais de mim! Pára de negar! Ontem, no aniversário da tia Dorzinha, meus irmãos e meus primos me fizeram ver isso. Você não cuida de mim, não me dá mais atenção. Eu falo e você já não me ouve. Eu estava cega e eles me trouxeram a luz.
– Mas, Laine. De onde você...
– Deve ter outra. Com certeza tem outra. Nem abre nem mais a porta do carro pra mim...
– A porta é automática, amor, abre com o alarme.
– Sem desculpa, Eupídio Augusto. Sem desculpa. E não gosto de ser interrompida! Pra mim chega!

Elaine raspou o pote de manteiga, passou no último pão de queijo da cestinha, tomou o gole de suco que restava na caixinha e saiu batendo a porta. Largou Eupídio, esse insensível.

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Silêncio

Depois dos quarenta tenho tentado falar menos e ouvir mais. Quanto mais a gente fala, mais bronca arruma. É fato. Está sendo um bom exercício. Tenho fugido de gente que engole pausa. João Cabral de Melo Neto já avisava: "Nem deve a voz ter diarréia"...

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