sábado, 13 de dezembro de 2008

Clara vê o rio escuro...












Clara, à margem do Rio Negro. Foto: Sérgio Freire


O rio corre, negro, desde sempre. O barco pára, pausa da labuta. A menina Clara pensa sobre o rio escuro: "para onde ele corre?". O pai, fotógrafo, suspira: no rio da vida, minha menina um dia seguirá seu curso. É o caminho. Desde sempre. E sua imagem criança, carente de mim, registrou-se. Na foto, na retina, na memória, no coração. Assim deve ter pensado Deus ao olhar o Rio Negro quando o fez.


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Longe Perto

A etimologia nem sempre é o único lugar para começar, mas é um lugar. Rezam os registros dos deuses da lingüística que a palavra “irmão” vem do latim “germen", semente. Irmão seria, portanto, aquele vem da mesma semente. Quando falamos em “semente”, que também é uma palavra latina, nos referimos à origem. Qualquer pessoa mais sensível para as belezas do mundo sabe que a semente aqui referida não se limita à origem biológica, mas a origem enquanto lugar de partida, o ninho.

Irmão para mim é aquele que sai do mesmo lugar, simbolicamente falando. Aquele que, mesmo divergindo nos caminhos, converge em princípios e em bem-querer não só para os conterrâneos de origem, mas todos os bons do mundo. Irmão chora junto e enxuga as lágrimas. Estoura a champagne e faz o churrasco da vitória. Irmão segreda segredos secretos. Irmão é cúmplice. Na fala. No silêncio. Na arte. Irmão sente a presença da ausência do outro.

Fico pensando se fosse filho único. Não ter irmão para mim é um non-sense, um não sentido. Com quem aprender a dividir? De quem sonegar no egoísmo infantil? Na cabeça de quem bater o martelo de madeira? A quem recorrer nas ausências da alma? Ser irmão é falar, mesmo no silêncio. É estar presente, mesmo na distância. É compartilhar as coisas boas do mundo e puxar da lama das ruins, quando atolamos. Ser irmão é ter códigos secretos, impenetráveis. Uma linguagem criada pela história de vida que não é compreendida por nenhum forasteiro, por mais atento que seja.

Irmão protege. Ou sendo escudo, para receber em si as pedras da existência, ou abrindo a porta, para que nosso aprendizado se dê calejando os pés em caminhos não tão macios, mas necessários no crescimento do ser. Ser irmão é dizer o que é preciso, com o carinho e a verdade dos que amam. Ser irmão é ouvir o que é necessário: ninguém que nos ama nos diria algo se não fosse exclusivamente para nos ver bem. A vida nos põe junto dos irmãos por um motivo. Ela os escolhe para nós. O segredo da felicidade é compreender as razões secretas desse quebra-cabeça. Descobrir o que aprender com cada irmão.

Segundo os dicionários, há os irmãos de leite: indivíduos amamentados pela mesma mulher que é mãe de um e ama do outro; os irmãos uterinos: irmãos filhos da mesma mãe e de pais diferentes; os irmãos consangüíneos: irmãos filhos do mesmo pai e de mães diferentes; os irmãos germanos: irmãos filhos do mesmo pai e da mesma mãe; os irmãos adotivos, que Deus escolhe a dedo, e os irmãos siameses: biologicamente grudados. Irmão, para mim, resume-se ao siamesismo de alma. É a alma grudada que faz com que, nas nossas diferenças, sintamos a presença dos irmãos em nós, na nossa vida, na nossa existência.

Hoje é aniversário de um dos meus quatro irmãos. Pensei nele e no quanto dele há em mim. Eu seria menos eu se não o tivesse tido. Caminhos bifurcam e se encontram sempre lá na frente. O poeta T.S. Eliot diz: “E, ao final de nossas longas explorações, chegamos ao lugar de onde partimos e o conheceremos então pela primeira vez”. O poeta Nilson Chaves reza na música que dá título a este texto: “Toda vez que eu viajar é sinal que estou aqui e quando estiver por lá quer dizer: nunca parti. A vontade de voltar não impede a de seguir. E, por onde quer que eu vá, estarei vivendo em ti”. Vale para lugares. Vale para pessoas. Te amo, mano.

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Poesia

Sou um ser da prosa, não da poesia. Ainda que por vezes me arrisque num soneto, como esse abaixo, em que o eu-lírico reclama das paixões que passam batidas:

RAQUITISMO

Quero viver paixões intensamente
Quero morrer de amores se possível
Quero entregar meu corpo, minha mente
É imperioso, é justo e é crível

Quero dormir de tanto amar de dia
Quero acordar pra tanto amar de noite
Quero um amor que chegue e que me açoite
E que me ache quando eu me perdia

Não tenho como viver tua paixão
Não tenho como eu tomar tua mão
Não vou ser eu a te servir a ceia

Sou responsável pelo que restou
Mas responsável sei que eu não sou
Do raquitismo da paixão alheia...

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Fotografia

Por ser traumatizado pela falta de fotos de minha infância, comprei uma Nikon D-50 quando minha primeira filha, Clara, nasceu. Desde então, sou paparazzi de minhas filhas. Aprendi a gostar de fotografia, um hobby caro, mas muito legal. Recomendo o curso em CD da National Geographic para os que quiserem começar na coisa. Navegando por aí, cheguei ao site do Tommy Ga-Ken Wan, fotógrafo baseado em Glasgow. Esse Tommy tem cada foto que um obra-de-arte. Um dia, quem sabe, em chego lá... Confira no seu site.

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sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

9a. Feira do Livro de Ribeirão Preto


Fui convidado para estar na 9a. Feira do Livro de Ribeirão Preto, no ano que vem. A Feira de 2009 homenageia o Amazonas. Estive na 8a e foi muito boa. A assessoria de imprensa da Feira me pediu uma foto para divulgação. Mandei essa aqui post. Ficou legal. A foto é da Bia. Por algum tempo vai ser minha foto oficial de divulgação. Já deu para notar que já estou usando no perfil, certo? Até parece de escritor mesmo...

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Música na sexta à noite...

No media player rola a melancólica e bonita E não vou deixar você tão só, Liah. Na seqüência: Don't worry, be happy, Mart'Nália; Broken Hallelujah, Rufus Weinwright; Complicated, Avril Lavigne.

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Discurso: o sentido acha suas formas.



O sentido acha suas formas. Essa história da história do Brasil é fenomenal. Do blog do JB.

13/12: 1968 - É decretado o Ato Institucional nº5

Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável.
O país está sendo varrido por fortes ventos.
Máx.: 38º em Brasília. Mín.: 5º, nas Laranjeiras.

Jornal do Brasil

Primeira página do Jornal do Brasil: Sábado, 14 de dezembro de 1968.

Na noite da sexta-feira, 13, com o objetivo de administrar a crise política, o Governo do General Arthur da Costa e Silva baixou o Ato Institucional nº 5, e com base nele, o Ato Institucional Complementar nº 38, que decretou o recesso do Congresso Nacional, por prazo indefinido.

Entre as resoluções do AI-5, suspendia-se os direitos políticos, e proibia-se atividades e manifestações sobre assuntos dessa natureza, condicionando a infração a severas penalidades, desde a liberdade vigiada ao domicílio determinado. Para garantir a ordem, os quartéis mantiveram-se em rigoroso regime de prontidão, e mobilizaram-se integralmente as Polícias Federal, Militar, Civil e a Guarda Civil.


O ano de 1968 foi de grandes protestos contra o regime militar. No início do ano, artistas de teatro mobilizaram-se contra a censura. Em março, uma manifestação universitária no restaurante Calabouço terminou na morte do estudante Edson Luís. Greves e passeatas eclodiram em todo o país, culminando com a passeata dos 100 mil, em junho, no Rio.

Atentados, expropriações, paralisações prosseguiram no segundo semestre em diversas partes do país. Um dos momentos mais tensos foi o discurso do deputado Márcio Moreira Alves, no início de setembro, conclamando a população a boicotar os eventos programados para o Dia da Independência. A declaração elevou ao máximo o descontentamento dos militares, que pediram a cassação do deputado. O pedido foi rejeitado pelo Congresso (216 votos contra, 141 a favor e 24 abstenções) na véspera da instauração do AI-5.

Anos de chumbo e a censura
Nos dez anos de vigência do mais cruel dos Atos Institucionais, sua fúria consternou a sociedade brasileira e internacional. Impondo-se como um instrumento de intolerância aos contestadores do regime militar, promoveu arbitrariamente repressão e intervenção, cassação, suspensão dos direitos, prisão preventiva, demissões perseguições e até confisco de bens.

A censura federal, recrudescida, atuou veentemente na interdição de mais de 500 filmes, 400 peças de teatro, 200 livros, e milhares de músicas. Tudo sob a égide da segurança nacional.

- * - *

Roberto Quintaes era um dos copidesques do JB presentes naquela noite. É ele quem conta a história no blog do Pedro Doria.

O Editor-Chefe Alberto Dines, por volta da meia-noite, procurava soluções, com o Chefe de Redação Carlos Lemos, para as muitas intervenções dos militares que haviam ‘ocupado’ o JB naquela noite.

O editorial foi substituído por uma foto, vertical, em que o campeão mundial de judô era derrubado pelo seu filho, brincadeira doméstica. Muitas outras fotos com legendas ambíguas substituíram textos vetados.

Num certo instante, Dines me pediu que recriasse a previsão do tempo, usando o 5 do Ato Institucional e o 37 do Ato Complementar assinados naquele 13 Dezembro.

E saiu então a seguinte ‘previsão’:

Tempo negro. Temperatura sufocante. O país está sendo varrido por fortes ventos. Mínima – 5 graus, no Palácio Laranjeiras. Máxima = 37, em Brasília.

A primeira página foi vista e revista pelos militares ainda com a previsão do Serviço de Meteorologia. A ‘previsão0′ de que aqui se fala foi incluída na capa do JB depois de todos os vetos dos militares terem sido executados. A atenção deles não mais pousou, ao final, sobre a previsão do tempo, … e fez-se história.



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Contardo Calligaris

Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo, ontem:

Zoé e o demônio do meio-dia


O demônio do meio-dia é o tédio moderno, efeito de um mundo com poucos mistérios

DESDE PEQUENA, Zoé, 9 anos, adora filmes e histórias de terror. Seus pedidos espantam a moça da locadora de DVDs, que, provavelmente, duvida da sanidade mental dos pais.
De fato, Zoé assiste com prazer a filmes que, às vezes, deixam insones seu irmão mais velho, suas baby-sitters e mesmo sua mãe. Talvez Zoé seja cinéfila a ponto de assistir aos ditos filmes com o distanciamento de um crítico dos "Cahiers du Cinéma". Ela desmontaria os "truques" destinados a produzir espanto nos espectadores e, com isso, os filmes lhe proporcionariam uma experiência parecida com a de um bom exorcista: ela venceria o mal desvendando seus estratagemas.
Mas a paixão de Zoé pelas histórias de terror tem outra explicação possível, que me apareceu quando Zoé quis que sua festa de aniversário fosse o cenário de um filme.
Com a ajuda de um cineasta amigo da família, Zoé e seus convidados foram co-autores e protagonistas de um curta que, claro, é a história do aniversário de uma menina, durante o qual um monstro diabólico e sedento de sangue etc.
Graças ao filme (que, aliás, é bem legal) pensei o seguinte: talvez Zoé queira sobretudo convencer-se de que sempre, mesmo no dia ensolarado de seu aniversário, há zonas de sombra, por onde andam seres repugnantes e perigosos. Alguém perguntará: "Mas por que ela gostaria de pensar assim?"
Pois é, eu acho que essa idéia é, para qualquer um, uma fonte de alívio. Explico por quê.
O Salmo 90 (na numeração Clementina) expressa a esperança de que Deus nos guarde tanto das abominações "que circulam pelas trevas" quanto "do demônio do meio-dia". Sobre o tal demônio do meio-dia muito foi escrito e dito: diferente dos diabos que se escondem nos cantos escuros, o que será esse malefício que nos espreita justamente quando o sol está no zênite e o mundo nos aparece sem sombras?
Uma leitura moderna diz que o demônio do meio-dia não é um bicho do inferno, mas é um sofrimento insidioso, específico de uma época em que faltam cantos escuros.
Ele é nossa própria tristeza, a depressão e o tédio produzidos por um mundo com poucas sombras e poucos mistérios.
Em outras palavras, as luzes da razão e da ciência acabaram com aquele sentido que só uma transcendência (divina ou diabólica, benéfica ou maléfica, tanto faz) podia conferir à vida. Por excesso de luz, em suma, o mundo perdeu seus horrores, mas também seu encanto; com isso, é preciso que Deus nos proteja do demônio do meio-dia, ou seja, do tédio e da tristeza.
Ao inventar cantos escuros e ao povoá-los de "troços" inquietantes, Zoé está se protegendo contra o demônio do meio-dia -com toda razão, pois esse é provavelmente o mais pernicioso de todos. Muito melhor se deparar com Freddy Kruger do que não achar graça no mundo.
"Filosofia do Tédio", de Lars Svenden (Zahar), é uma brilhante meditação sobre a dificuldade moderna em nos interessarmos pela vida, uma vez que ela não é mais justificada pela palavra divina ou por nossa luta heróica contra os "troços" que circulam pelas trevas. Para Svenden, contra o tédio, ainda não inventamos nada melhor do que o remédio do Romantismo: uma mistura de anestesia (drogas lícitas e ilícitas) com transgressões que deveriam provar que estamos vivendo grandes aventuras e experiências "incríveis". Se for para escolher, prefiro os esforços de Zoé para repovoar o mundo de monstros e demônios.
Mas há uma terceira via. Li, nestes dias, "O Olho da Rua", de Eliane Brum (Globo). Brum, repórter especial da revista "Época", reúne dez grandes reportagens escritas entre 2000 e 2008. Fazia tempo que um livro não me tocava tanto. Que Brum fale das parteiras do Amapá, da guerra em Roraima, dos velhos da casa São Luiz para Velhice, ou mesmo que ela acompanhe o fim da vida de uma paciente terminal, seu texto é uma verdadeira alegria - pois ele nos lembra, simplesmente, que o mundo importa, que ele vale a pena. Como ela consegue?
O tédio moderno é uma forma de arrogância: a vida é chata porque nós seríamos maiores que sua suposta trivialidade insossa; tendemos a menosprezar o cenário onde nos toca viver, como se ele fosse demasiado banal para nossas façanhas. Pois bem, o segredo de Brum é o oposto disso, é uma extraordinária humildade diante do que existe.
Quando Zoé cansar de inventar monstros para dar sentido ao mundo e à vida, vou lhe sugerir o livro de Eliane Brum.

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Um texto antigo para recordar...

Texto de 2002, era de turbulência afetiva. Descobri que você só pode amar desprendido dos amores que se foram. Hoje amo na plenitude porque entreguei o que não era mais meu.

Um penetra de fé


Uma vez uma aluna perguntou, durante um curso de Introdução à Análise de Discurso, se eu acreditava em Deus. Eu disse que sim e ela rebateu dizendo que eu estava sendo incoerente com a teoria do discurso. Eu disse a ela que não. Primeiro porque nossa relação com Deus no plano da intimidade não dá para ser explicada por nenhuma teoria. Por isso é fé. Segundo, aí já no campo da teoria que explica o funcionamento de um discurso religioso, o fato de eu saber como é produzido esse regime de verdade não torna essa verdade menos verdadeira para mim. Não sei se ela se convenceu, mas eu estou convicto da minha relação com Deus, relação que andou meio abalada, confesso publicamente.

Andei meio distante de Deus nesses últimos tempos. Usei as desculpas de praxe: pouco tempo, os padres estão chatos, a missa é muito longa e repetitiva, o Artur Neto é um puxa-saco do FHC, o Equador vai jogar com a Croácia, enfim, mil desculpas.

Nesse aspecto, Deus é legal, pois Ele não nos força a nada. É como disse há muito tempo o Pe. Cânio Grimaldi, personal father da nossa família: as coisas do espírito não podem ser obrigadas. Então, se você está a fim de chegar perto de Deus, ser afagado, lá está Ele, tal qual nossa mãe. Chamá-lo de Pai é herança do patriarcado dos hebreus. Ele é mais mãe. Se você se afasta, busca outros rumos, outras prioridades, Ele não reclama. Aliteração necessária: Deus deu a dádiva do livre arbítrio foi para isso. Mas mais cedo ou mais tarde, quem d'Ele sentiu o carinho volta.

Eu voltei um pouco hoje. Um muito. E como um católico básico, um-ponto-zero, voltei porque estava angustiado, perdido, dolorido com as coisas que a vida traz. O católico-padrão age assim: só volta estropiado, feito menino-barrigudo que não ouve conselhos. Hoje eu estava assim. Entre as várias coisas que me ocorreram fazer para minimizar minha angústia, entre algumas opções sensatas e outras nem tanto, estava a de entrar numa igreja e rezar. Entrar, sentar lá no banco de trás e rezar. Visitar um velho amigo. Tomar um cafezinho, perguntar pelos seus.

Parei e estacionei. Nem me importei com o flanelinha pedindo para "reparar o carro", coisa que geralmente me irrita. Concordei e fui. Na verdade, acabei me convidando para uma missa de 15 anos que estava para começar. Peguei o boletim personalizado que todas as missas de 15 anos têm, ajoelhei meio sem jeito no fundão, deslocando até o menisco por falta de calo. Afrouxei o nó da gravata, dos desejos, dos receios. Calei a voz, e fechei os olhos. Dispus-me a lamber o chão dos palácios e castelos suntuosos dos meus sonhos, como na receita de Gilberto Gil.

Fui muito bem recebido, senti uma paz de espírito que não sentia desde que, ainda limpo da vida suja e mesquinha de cada dia, fiz minha primeira comunhão num domingo ensolarado na Igreja de Aparecida. Parece que Ele estava me esperando. Até a leitura impressa no boletim parecia conter, acima do texto, um post-it amarelinho colado e escrito à mão: "Para o Sérgio".

A festa era para a Érika, felicíssima, e para mim, tristíssimo. Ela, 15 anos de vida. Eu, 15 anos de ausência. Ok, uma missa aqui, outra ali, Natal, Páscoa, mas nada tão inclusivo quanto à época em que fazia parte do grupo de jovens, da pastoral da música, num ato de nepotismo religioso muito grande do Paulo, meu irmão, que tocava o violão. Eu carregava o violão. Mas carregava com uma fé!

As músicas eram só músicas "do meu tempo". Ave-Maria do Pe.Zezinho, Renova-me, Fica sempre um pouco de perfume, Utopia. De repente eu voltei no tempo, vi-me criança no catecismo do sábado à tarde. Senti a mão da minha vozinha correndo por entre meus cabelos, sentindo que ela olhava ternamente para mim com seus olhos infinitamente azuis e seu sorriso lindo e contornado por seu batom vermelho que deixava uma cicatriz de amor em nossas bochechas a cada beijo. Era como ela fazia naquelas tardes de sábado. Teria sido um anjo? Minha vó era um anjo. Eu senti, juro. Pensei comigo: "Meu Deus, que paz!". Alguém respondeu sorrindo: "Eu sei".

Fiquei ali por mais de uma hora. Não queria mais sair. Entrei pesado, triste, amargo, quebrado, sozinho. Tudo foi-se no primeiro fechar de olhos. Tudo. Olhei lá frente, pois já tinha recuperado a força para erguer a cabeça, e vi Jesus na cruz. Pensei naquele amor todo. Pensei em quão pequeno se tornara meu problema, minha dor, diante de tal resignação, de tal entrega. Resolvi entregar. Resolvi me entregar. Deixar de ser um humano arrogante, racional, e reconhecer que não estava conseguindo e nem iria conseguir. Descobri que minha dor era fruto de meu egoísmo, de eu querer algo para mim, sem pensar nos outros envolvidos. A leitura falava do manjadíssimo "Amai-vos uns aos outros". Simples, direto. Eu estava no "Amai-me a mim mesmo". Era esse o nó. Desatei. Desatamos. Desataram.

Renovado, como o pedido da música, dei os parabéns para a Érika, para seu Wladimir e para dona Ivone, os seus pais. Devem estar se perguntando até agora quem era aquele rapaz com olheiras profundas, mas tão feliz. Não tive a cara de pau de ficar para os comes & bebes, apesar da idéia ter me passado pela cabeça.

Saí e, na porta, voltei. Esqueci de agradecer a acolhida. Olhei para Jesus na cruz e agradeci. Olhei Nossa Senhora de Nazaré e vi que ela estava feliz, com um sorriso maroto. Era como se dissesse: "Volta, hein!" Voltarei, sim. Cantei para ela a música do Pe. Zezinho, que também parecia ter sido feita para mim. Prometi que a próxima vez não seria só na missa do aniversário de 30 anos da Érika.

Minha mãe Helena me disse que não há amor maior do que o que os pais sentem pelos filhos. Não tenho filhos, mas amo muita gente. E com uma intensidade mil pontos na escala Richster dos amores. O amor por um filho deve, então, ser um amor muito grande mesmo. Mais uma vez vou com a minha gordinha e vou acreditar nela. Até porque hoje eu senti esse amor, como filho. Por parte dela, minha mãe, e na igreja. E re-aprendi que, diferentemente do que a gente aprende no mundo sem Deus, é preciso dar para receber, que meia bolacha na cara não tem graça, pois é preciso dar o outro lado ao bofete. Que amor é doação. É renúncia. É abrir mão. Como quando você solta uma pombinha pela paz. E paz não é utopia. Não busque explicar tudo isso pela razão. Não dá.

Tal qual Abraão, decidi depois dali oferecer e entregar a Deus algo muito especial, tão insubstituível para mim como seu filho Isaac era para ele. E essa renúncia era a razão da minha angústia inicial. Tinha que fazê-la, mas me angustiava, faltava-me algo. Depois dali, passou a angústia, veio o conforto. Lembrei que fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas.

E o conforto é explicável: o aniversário era da Érika, mas quem ganhou um presente fui eu, o penetra: ganhei minha fé de volta. E que presente. Coisa de pai para filho mesmo.

Sérgio Augusto Freire de Souza
12 de junho de 2002

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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

"Name, name! What's in a name?"

Aqui vai a coletânea de nomes estranhos:


Abrilina Décima Nona Caçapava; Abxivispro Jacinto; Acheropita Papazone; Adolpho Hitler de Oliveira; Adoração Arabites (masculino); Agrícola Beterraba Areia Leão; Alce Barbuda; Aldegunda Carames More (masculino); Aleluia Sarango; Alfredo Prazeirozo Texugueiro; Alma de Vera; Amado Amoroso; Amin Amou Amado; Amor de Deus Rosales Brasil (feminino); Andrés Urdangarin Dorronsoro; Antônio Americano do Brasil Mineiro; Antonio Buceta Agudim; Antônio Cacique de New York (juiz-presidente do TRT da 22ª Região); Antonio Camisão; Antonio Dodói; Antonio Manso Pacífico de Oliveira Sossegado; Antonio Melhorança; Antonio Noites e Dias; Antônio P. Testa; Antonio Pechincha; Antônio Querido Fracasso; Antonio Treze de Junho de Mil Novecentos e Dezessete; Aricléia Café Chá; Arnaldo Queijo; Asteróide Silverio; Audifax.

Bailão Fernandes da Silva; Bananéia Oliveira de Deus; Bandeirante Brasileiro Paulistano; Barrigudinha Seleida; Benedito Autor da Purificação; Benedito Camurça Aveludado; Benedito Froscolo Jovino de Almeida Aimbare Militão de Souza; Benvindo Viola; Bispo de Paris; Bizarro Assada; Boaventura Torrada; Bom Filho Persegonha; Brandamente Brasil; Brígida de Samora Mora Belderagas Piruégas de Alfim Cerqueira Borges Cabral; Bucetildes (chamada, pelos familiares, de Dona Tide).

Cafiaspirina Cruz; Caius Marcius Africanus; Capote Valente e Marimbondo da Trindade; Carabino Tiro Certo; Carlos Alberto Santíssimo Sacramento Cantinho da Vila Alencar da Corte Real; Caso Raro Yamada; Céu Azul do Sol Poente; Chananeco Vargas da Silva; Chevrolet da Silva Ford; Chikakó; Cincero do Nascimento; Cinconegue Washington Matos; Clarisbadeu Braz da Silva; Colapso Cardíaco da Silva; Comigo é Nove na Garrucha Trouxada; Confessoura Dornelles

Danúbio Tarada Duarte; Darcília Abraços de Carvalho Santinho; Deus Infinitamente Misericordioso; Deusarina Venus de Milo; Devercilirio Silveira da Costa; Dezêncio Feverêncio de Oitenta e Cinco; Dignatario da Ordem Imperial do Cruzeiro; Disney Chaplin Milhomem de Souza; Dosolina Piroca Tazinasso

Ernesto Segundo da Família Lima; Esdras Esdron Eustaquio Obirapitanga; Esparadrapo Clemente de Sá; Espere em Deus Mateus (Itabirito, MG); Estácio Ponta Fina Amolador; Excelsa Teresinha do Menino Jesus da Costa e Silva

Faraó do Egito Sousa; Farmácio Lopes; Fedir Lenho; Felicidade do Lar Brasileiro; Finólila Piaubilina; Flávio Cavalcante Rei da Televisão; Fordência da Silva; Francisco Notório Milhão; Francisco Zebedeu Sanguessuga; Francisoreia Doroteia Dorida; Fridundino Eulempio

Graciosa Rodela; Gravitolina Pereira; Guelery Borges

Hericlapiton da Silva (de Eric Clapton); Heubler Janota; Hidráulico Oliveira; Himineu Casamenticio das Dores Conjugais; Homem Bom da Cunha Souto Maior; Horinando Pedroso Ramos; Hugo Madeira de Lei Aroeira; Hypotenusa Pereira, Hierozolima Formigosa

Inocêncio Coitadinho; Isabel Defensora de Jesus; Itaparica Boré Fomi de Tucunduvá; Izabel Rainha de Portugal

Jacinto Fadigas Arranhado; Jacinto Leite Aquino Rego; Janeiro Fevereiro de Março Abril; Jhansley Ferreira da Mata; João Bispo de Roma; João Cara de José; João Cólica; João da Mesma Data; João de Deus Fundador do Colto; João Meias de Golveias; João Pensa Bem; João Sem Sobrenome; Joaquim Pinto Molhadinho; José Amencio e Seus Trinta e Nove; José Casou de Calças Curtas; José Catarrinho; José Lopes Tamborim; José Machuca; José Maria Guardanapo; José Padre Nosso; José Sudário; José Teodoro Pinto Tapado; Jovelina da Rosa Cheirosa; Juana Mula; Júlio Santos Pé-Curto; Justiça Maria de Jesus

Kêmula Katrine; Kunigunda Grohmann

Lança Perfume Rodometálico de Andrade; Leão Rolando Pedreira; Leda Prazeres Amante; Letsgo (de Let's go); Liberdade Igualdade Fraternidade Nova York Rocha; Lindulfo Celidonio Calafange de Tefé; Liney Lindsay Nascimento de Araujo; Lynildes Carapunfada Dores Fígado

Magnésia Bisurada do Patrocínio; Maicon Jakisson de Oliveira; Manganês Manganésfero Nacional; Manoel de Hora Pontual; Manoel Sovaco de Gambar; Manolo Porras y Porras; Manuelina Terebentina Capitulina de Jesus Amor Divino; Maria Cristina do Pinto Magro; Maria da Cruz Rachadinho; Maria da Segunda Distração; Maria de Seu Pereira; Maria Felicidade; Maria Humilde; Maria Panela; Maria Passa Cantando; Maria Privada de Jesus; Maria Tributina Prostituta Cataerva; Matozóide; Meirelaz Assunção; Mijardina Pinto; Mimaré Indio Brazileiro de Campos; Ministéio Salgado

Naida Navinda Navolta Pereira; Napoleão Estado do Pernambuco; Napoleão Sem Medo e Sem Mácula; Necrotério Pereira da Silva; Novelo Fedelo

Obedemigo Pereira; Oceano Atlantico Linhares; Oceano Pacífico; Ocricócrides de Albuquerque; Olinda Barba de Jesus; Omenzinha; Orlando Modesto Pinto; Orquerio Cassapietra; Otávio Bundasseca

Padre Filho do Espírito Santo Amém; Pália Pélia Pólia Púlia dos Guimarães Peixoto; Pedra da Penha; Pedrinha Bonitinha da Silva; Pedro Bonde; Pelumendia Loureiro; Peta Perpétua de Ceceta; Plácido e Seus Companheiros; Presolpina Furtado; Primeira Delícia Figueiredo Azevedo; Primorosa Santos; Produto do Amor Conjugal de Marichá e Maribel; Protestado Felix Correa

Radigunda Cercená Vicensi; Reimar Rainier de Oliveira; Remédio Amargo; Ressurgente Monte Santos; Restos Mortais de Catarina; Rita Marciana Arrotéia; Rocambole Simionato; Rolando Caio da Rocha; Rolando Escadabaixo; Rômulo Reme Remido Rodó

Sampaio Carneiro de Souza e Faro; Sebastião Salgado Doce; Segundo Avelino Peito; Serdeberão dos Anjos Pereira Vargas; Sete Chagas de Jesus e Salve Patria; Sete Rolos de Arame Farpado; Sherlock Holmes da Silva; Simplício Simplório da Simplicidade Simples; Soraiadite das Duas a Primeira; Sossegado de Oliveira; Spiridon Nicofotis Anyfantis; Sudene Fátima Machado

Telesforo Veras; Terebentina Terepenis; Terprando Wilson Rego; Tospericagerja (em homenagem à seleção do tri: Tostão, Pelé, Rivelino, Carlos Alberto, Gerson e Jairzinho); Trazíbulo José Ferreira da Silva; Tropicão de Almeida

Última Delícia do Casal Carvalho; Último Vaqueiro; Um Dois Três de Oliveira Quatro; Um Mesmo de Almeida; Universo Candido; Usnavy (em homenagem à U.S.Navy, a Marinha Americana)

Valdir Tirado Grosso; Veneza Americana do Recife; Vicente Mais ou Menos de Souza; Vitimado José de Araújo; Vitor Hugo Tocagaita; Vitória Carne e Osso; Voltaire Rebelado de França

E finalmente: Wanslívia Heitor de Paula.



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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Um texto antigo para recordar...

Este texto escrevi em 2002. Mas é como jornal velho. Já encontrei quem procurava.

CLASSIFICADOS

Procura-se um amor. Mas não qualquer amor. Um amor que considere as necessidades abaixo.
Procura-se um amor que goste de amar sem motivo, pelo simples prazer de amar.

Procura-se um amor que goste de dormir aconchegado, com um perna por cima da sua e tendo seus cabelos enrolados durante a noite inteira, com risco de nozinhos para tirar pela manhã.

Procura-se um amor que goste de arrumar contas em fichários, que goste de fazer listinhas de coisas a fazer e a comprar. E que mesmo que eu esqueça de falar, traga meu pacotinho de jujuba.

Procura-se um amor que goste de quem eu gosto como gosta de mim, pois será igualmente gostado por quem eu gosto e por quem gosta de mim.Procura-se um amor que sorria ao me ver, que morda os lábios sempre que me abraçar.

Procura-se um amor que aceite pequenos defeitinhos como não ser capaz de achar nada, deixar a porta aberta sempre que passar e só tomar sopa passada no liquidificador.

Procura-se um amor que ralhe comigo quando houver exagero, mas que se delicie comigo de vez em quando com uma barra de chocolate com castanha de caju e uma compota de doce de cupuaçu.

Procure-se um amor extravagante nas suas formas de amar, que invente a cada gesto uma forma de mostrar o quando significo em sua vida.

Procura-se um amor com anomalia genética: que não tenha em seu DNA o gene da indiferença, cruel e dispensável.

Procura-se um amor disposto a uma entrega total, mesmo que isso às vezes pareça sufocar. Um ou outro. Beijo também sufoca.

Procura-se um amor que tenha sonhos, para que se possa sonhar juntos, que lute por causas, para que um possa carregar as flechas do arco do outro em suas batalhas. Mas procura-se um amor que tenha como sonho maior nosso futuro e como causa maior o nosso presente, o amor que nos une. E disso não abra mão.

Procura-se um amor que não tenha receio de encharcar-se ao enxugar as lágrimas de dor que eventualmente caiam sobre sua roupa, estragando-as; procura-se um amor que saiba igualmente se esbaldar como criança em banho de cachoeira com as lágrimas das vitórias compartilhadas.

Procura-se um amor que esqueça a razão e jure, de pés juntos e sem figuinha, que será para sempre, mesmo sabendo racionalmente que “o pra sempre sempre acaba”.

Procura-se um amor que goste de Coca-light, com gelo e limão. De pimenta murupi. De tambaqui ao molho de camarão. De sorvete branco do Select. De tacacá da banca do Wande. De Pizza de pimenta. E que seja capaz de rir do day after.

Procura-se um amor que goste de verduras, para que possa receber em seu prato as que vierem para o meu.

Procura-se um amor que suporte saber tudo de mim, inclusive minhas fraquezas mais fracas. E que um dia não use essa informação contra mim.

Procura-se um amor que me faça queimar a pasta de planos alternativos para a vida, que seja capaz de me convencer de que não preciso mais dela.

Procura-se um amor que seja honesto e sincero, o que é uma redundância, pois todo amor verdadeiro o é.Procura-se um amor que saiba ser menina, que saiba dengar.

Procura-se um amor que saiba ser mulher entre as quatro paredes, amando sem medida, suando, gritando, gozando verdadeiramente com sua alma.

Procura-se um amor que não se sinta menor ou diminuído por cuidar de mim. Pois eu também vou cuidar desse amor.

Procura-se um amor que se orgulhe de minhas vitórias e saiba que a recíproca será sempre verdadeira; Que esteja lá, mesmo em silêncio, nas minhas derrotas, com uma mão em meu ombro e outro a me fazer cafuné.

Procura-se um amor que tenha ombro e colo, preferencialmente macios e aconchegantes, onde eu possa pousar minha cabeça e sonhar nossos sonhos ou simplesmente calar minha dor até adormecer.

Procura-se um amor que saiba que amar é mais do simplesmente dar as mãos. Que amar é dar as vidas, incondicionalmente, com todos os riscos.

Procura-se um amor que marque minhas consultas e vá comigo para ajudar na sempre chata sala de espera. E na saída pergunte, preocupado, o que o médico disse.

Procura-se um amor que me leve no aeroporto, que me ‘panhe’ lá também. E que, mesmo quando a distância da viagem for infinita, não tire do coração o perfume que ficou no abraço da despedida, um amor que vibre com o reencontro como se fosse o primeiro.

Procura-se um amor que não minta, que não me faça sentir bobo (a não ser de amor), não diante dos outros, mas diante de si próprio, numa situação patética de amor desperdiçado num mundo carente de afeto.

Procura-se um amor que goste de eu comer seu nariz, num gesto imaginário de incorporação de sua carne à minha própria de tanto amor.

Procura-se um amor que saiba qual meu prato predileto, que saiba que eu odeio alcaparras e cebolas, que saiba que comeria bife-arroz-farofa todos os dias.

Procura-se um amor que goste de cachorro. Não precisa nem ter um, mas que goste. Não gostar de cachorro é sintoma de uma carência fundamental.

Procura-se um amor que acredite em mim. Mais importante: que acredite em si. Pois assim podemos, como diz Rubem Alves, jogar frescobol e não tênis, fazer a bolinha chegar ao outro e não buscar tirá-lo da jogada.

Procura-se um amor bom de coração como meu pai e decidido como minha irmã. Mas pouco impetuoso. Os impetuosos põem tudo a perder. Inclusive um grande amor.

Procura-se um amor que possa ser, comigo, alvo de frases como: “que casal lindo e feliz”, sem que o tom da frase seja de inveja, mas sim de uma melodia harmoniosa de admiração.

Procura-se um amor que saiba limpar meus óculos enquanto dirijo, para que eu possa ver melhor para onde estamos indo. Que segure os mapas em nossas viagens para que eu não me perca nas difíceis vias da vida.

Procura-se um amor e ele pode ser surdo, pois serei sua audição; ele pode ser cego, pois o conduzirei com segurança na falta de luz; esse amor pode ser inclusive mudo, pois gritarei por ele a todo momento.

Procura-se um amor romântico, que adore Mariah Carey e Michael Bolton, que odeie o Bonde do Tigrão, mas saiba, de repente, dançá-lo numa noite louca, regada à licor de chocolate.

Procura-se um amor que me faça rir com seus comentários e que possa entender meu riso como admiração pela genialidade e não desprezo por sua opinião inusitada.

Procura-se um amor que saiba não brigar com meu computador, pois ao fazer isso reduz-se a uma máquina.

Procura-se um amor que cuide de plantas, pois sou muito incompetente para fazê-lo e muito carente de verde ao meu redor para dispensá-las.

Procura-se um amor que tenha seu computador e que me chame para consertá-lo, instalar uma placa, colocar um programa. Que una sua necessidade a meu prazer e vice-versa. Que me peça para tirar um vírus. Seja do computador, seja de sua vida.

Procura-se um amor que negocie nossas coisas, nossas compras. Eu não sei.

Procura-se um amor que não me chame pelo meu nome. Nunca. Que me chame carinhosamente por um apelido tão nosso que os outros passem a me chamar assim também. Que me dê identidade sem tirar a minha, como os retalhos num manto de arlequim.

Procura-se um amor que não erre. E se errar, que reconheça. E que se reconhecer, que reaja.Procura-se um amor que goste de tomar água de coco no final da tarde, vendo o sol se pôr. Que goste de vagar de carro pela cidade, sem rumo.

Procura-se um amor que converse comigo por olhar, por suspiro, por silêncio. Procura-se um amor para quem eu possa dar a última almôndega do meu prato se ambos ainda estivermos com fome.Procura-se um amor que me convença da inutilidade de classificados.

Procura-se um amor, enfim, que não saiba cuidar de mim quando eu estiver ferido de morte por ele. Pois se chegar a tal ponto, eu não o quero de início.

Procura-se um amor assim. Pode ser um pouquinho diferente.

Aceitam-se contra-propostas. Gentileza, caso haja interesse, procurar no fundo do poço mais escuro da terra. Não precisa marcar hora. Há até uma certa urgência.”

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Esquadros


Por mais que se tente buscar com os olhos o que passou, tudo ficará cada vez mais distante de nosso alcance. Pessoas, fatos e experiências vão ficando sempre mais para trás, restando acompanhar o que se foi pelo retrovisor.

A metáfora do retrovisor é bela. Mas dentro de nós existe um outro mundo que está fora do tempo, desrespeitando as leis da física e nunca se distanciando: o mundo da memória. Nele ficam guardadas as coisas que amamos e que passaram, que não existem mais no mundo lá de fora, mas que movimentam-se reais no mundo aqui de dentro. Adélia Prado diz que “aquilo que a memória ama fica eterno”. As coisas ficam eternas na alma porque ela, a memória, é o lugar do amor. E o amor não suporta ver as coisas amadas engolidas pelo tempo.

Quais pessoas que passaram pelas nossas vidas e por suas presenças – ou suas ausências – nos tornaram outros? Que lembranças da infância nos voltam vivas por cheiros, músicas e lugares revisitados fisicamente ou no sempre bem-vindo passeio da mente? Ainda sinto o gosto do sagrado sorvete de coco que tomava aos domingos com meus pais. Volta e meia encontro pêlos dos meus cachorros grudados em minha alma. O primeiro beijo que dei acordou todas as borboletas do meu estômago. Minha memória brinda-me, porque os amo, com momentos cristalinos da minha infância. Meus amigos, as brincadeiras de rua, o futebol de moleque no campinho da rua seis. A briga de rua que me ensinou que eu seria uma pessoa da paz. Demis Russos cantando “Forever and ever” me transporta para a distante e presente época em que se tomava banho nos igarapés da cidade.

As memórias não precisam de retrovisor, apenas de coração. Ao olhar o passado pelo retrovisor corremos o risco de bater o carro da vida. Há de se olhar mais para frente. Preso ao que passou, o coração não vê outros ares e fica batendo descompassado com o presente, perdendo o futuro e se quedando ainda mais distante do passado. Pensar o passado pelo critério de memória é a chave. Outra frase a ver com isso: “só possuo aquilo de que lembro”. Está no belo livro “O infinito na palma da sua mão”, de Rubem Alves – ele próprio presente na minha memória de uma noite de conversa mágica nos meus tempos de Campinas.

Saudade vem do latim "solitáte", solidão. O regresso, em grego, diz-se “nostos” e “algos” significa sofrimento. A nostalgia é assim o sofrimento causado pelo desejo insatisfeito de regressar. Viver o passado pode ser um ato saudoso (se feito na solidão e por ela), nostálgico (se não foi vivido na plenitude e a ele nos prende, carecendo de exorcismo) ou memorioso (quando lembrado com amor e como parte inexorável da vida). Esquadros.

“Esquadro” tem a mesma origem que “esquadrinhar”, “escrutar”, “perscrutar”, que significam sondar, buscar minuciosamente; “esquadro” ainda acrescenta a idéia de medir algo minuciosamente. Juntando Rubem e Adélia, posso dizer que eternizo aquilo de que lembro porque a memória ama. Esse é o meu esquadro. Só não posso cair na hiper-consciência que lembra a angústia de um poema como “Os ombros suportam o mundo”, de Drummond: “Ficaste sozinho, a luz apagou-se,/ mas na sombra teus olhos resplandecem enormes”. Não dá para esquecer, claro, que o mundo nem sempre cabe num esquadro só. Quase nunca. Nunca.

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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Calendário 2009


Quem quiser um calendário 2009 com fotos de duas modelos pode mandar revelar esse aqui. Tem resolução suficiente para uma 20x25. Eu que fiz. As duas e o calendário.

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Mundo Cinza

É cada vez mais difícil tomar posição sobre as grandes questões em debate na sociedade. Ambientalistas x desenvolvimentistas, criação x, evolução, esquerda x direita, ciência x religião... Todo mundo tem certeza, todo mundo tem razão. A gente lê uma argumentação brilhante e concorda com ela. E - graças à internet - segundos depois lê uma contra-argumentação tão brilhante quanto e também concorda com ela.

Dá a impressão que antigamente as coisas eram mais claras. De que havia o preto e o branco, o bem e o mal e não era difícil escolher de que lado ficar. Mas será que essa "facilidade" acontecia por serem as coisas, digamos, mais simples? Ou será que antigamente, sendo mais jovens e inexperientes, nosso repertório, nosso conhecimento, nosso raciocínio é que era simplório e escolhia de forma superficial, pelas aparências? Conforme vamos evoluindo, ouvindo e lendo mais, refinando nossa capacidade de análise crítica, reparamos nos detalhes sutis, entendendo as argumentações sofisticadas e a multiplicidade de pontos de vista. E o que era preto ou branco - pela certeza da ignorância -
fica cinza...

Por exemplo, a Colômbia acertou ou errou quando invadiu o território do Equador para liquidar os terroristas das FARC? Em minha opinião a Colômbia errou. Quebrou um princípio básico : invadiu a casa do vizinho. Isso não se faz, é um ato de violência, passível de retaliação. Mas em minha opinião a Colômbia acertou: eliminou os terroristas que estavam seqüestrando, matando e ameaçando um governo eleito democraticamente. Mesmo que para isso tivesse que invadir a casa do vizinho.
Portanto, tenho que condenar a Colômbia. Mas não me atrevo a censurá-la. No lugar de Uribe eu faria a mesma coisa.

É o velho choque entre princípios e pragmatismo. Quem estuda política está familiarizado com essa discussão.

Princípios ou crenças e valores constituem a base que suporta as ações de um indivíduo. São como filtros que determinam aquilo que entendemos como certo, correto, justo e leal. Esses filtros são desenvolvidos ou inibidos conforme nossa educação, na família principalmente, pelos exemplos de nossos pais e das pessoas que estão próximas enquanto crescemos.
Por exemplo, tenho como princípio não roubar. Qualquer ação que eu decidir praticar tem que estar de acordo com esse princípio e não admito deslizes. É claro e simples assim.
Mas então surge o pragmatismo, o ponto de vista que subordina a verdade à utilidade. Não roubo, por princípio. Mas se a vida de meu filho depender de eu roubar, vou roubar sim.
Você pode até dizer que isso é compreensível, que o princípio do roubo foi atropelado por um princípio mais forte: o da preservação da vida. Mas a minha decisão terá sido pragmática.

O caso das pesquisas com as células-tronco envolve o mesmo conflito entre princípios e pragmatismo. A legalização do aborto. E a questão do aquecimento global também. Lula abraçado a Sarney ou Collor é um exemplo do pragmatismo que se sobrepõe a princípios. Todo aquele discurso idealista da esquerda cai por terra assim que ela assume o poder. Muitos dirão que Lula está errado ao trair seus princípios. Outros dirão
que se ele não agir assim, não governa: para exercer política é necessário ser pragmático. E então passamos a aceitar certos deslizes como sendo "parte do jogo". Deixamos de lado nossos princípios em nome do pragmatismo.

Esse é o momento em que a luz de alarme deve ser acesa. Afinal, o que é que você leva em consideração para escolher um amigo ou eleger um político? Os princípios ou pragmatismo dele?
Pois é... Não existe mais preto ou branco.
O mundo ficou cinza.

Luciano Pires

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domingo, 7 de dezembro de 2008

Música na noite de domingo...

Estou ouvindo The Scientist, do Coldplay. Na seqüência, Cosy in the Rocket, do Psapp, e a versão de Somewhere Over the Rainbow, de Israel Kamamawiwo'ole. Gosto de quase tudo de música, menos, talvez, rap egípicio...

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