segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A torneira da cozinha


Há coisas que fazemos porque sabemos e há outras que tentamos fazer porque achamos que sabemos ou que podemos dar conta. Foi me enquadrando nessa segunda categoria que me meti a trocar a torneira da pia da cozinha, que estava vazando por cima. Comprei a nova, coloquei minha roupa de handiman, tirei as panelas do armário que fica embaixo da pia e comecei a tarefa doméstica.

Tirar a antiga foi fácil. O fator complicador de tudo era o espaço para manobra, muito pequeno entre a parede e bacia da pia. Minha mão direita ganhou calos em todas as cinco juntas. Normal, pensei. Fazer serviços domésticos sem me machucar comprometeria minha identidade. Eu sempre me esfolo. Quando tirei a torneira velha, percebi que o registro da água que, claro, eu havia fechado não vedava completamente a passagem da água. Eram apenas gotas. Mas tal qual as gotas da tortura chinesa, essas gotinhas começaram a incomodar num crescendo e começaram a alagar tudo. E eu não conseguia encaixar a mangueira na torneira nova porque não havia encontrado o meu alicate-de-pressão, a minha ultra-mega-power ferramenta que me ajuda em tudo. Culpei a empregada, liguei para a Bia em Campinas para reclamar que mexeram nas minhas ferramentas. Enfim, a razão de eu não conseguir ir adiante era da falta de ferramenta adequada. Tentei com uma chave inglesa, mas nada. Comecei às quatro da tarde.Uma da manhã dei uma pausa para levar meu irmão ao aeroporto, sem esquecer, claro, de deixar várias bacias para coletar a água que teimava em pingar. Voltei quarenta minutos depois. Às três da manhã joguei a toalha, também encharcada, como toda cozinha.

Acabei de levar o Ronaldo de volta à loja de material de construção. Ronaldo é o encanador. Fui buscá-lo de manhã cedo, depois de passar a madrugada em claro trocando as bacias de água, que enchiam de 20 em 20 minutos. Como eu acredito mesmo que não há experiência sem aprendizado, a torneira da cozinha me ensinou algumas coisas.

O ser humano tem limites e tem de reconhecer os seus. Tentei ir além da minha capacidade e meu esforço foi em vão. Perdi tempo, paciência, ganhei calos, me molhei. Quando a gente cruza a linha do possível corre o risco de se molhar, de se machucar, de transbordar para outras áreas. Viver com o conhecido, com nossas torneiras velhas, é sempre mais fácil. No entanto, mudar as torneiras por onde passam os sentidos de nossas vidas de vez em quando é preciso, pois começam a vazar de alguma forma. Mas dá trabalho, a margem de manobra é pequena e muitas vezes não conseguimos fazer isso sozinhos. Não adianta culpar as ferramentas quando o problema é a incapacidade e a falta de preparo para lidar com elas. Aceitar os limites e pedir ajuda não nos diminui. Pelo contrário,nos permite conhecer bem melhor as nossas fronteiras.

Até que escrevo direitinho, dou aulas razoáveis, sou um pai e um marido legal, manjo de linguagem. Sei disso. Mas não sei trocar torneiras. Aprendi: sempre vai haver alguém no mundo que sabe mais do que você sobre alguma coisa. Limite. Palavra da semana. Cada um na sua, o mundo gira e a Lusitana roda.

O Ronaldo trocou a torneira em 20 minutos. Cobrou 15 reais. Dei 20. Ah, antes que eu me esqueça: ele usou uma chave-inglesa. Se a dele não fosse igual à minha, teria dado a minha para ele.

5 comentários:

Sue disse...

hauhauahuau
Acabei de ver que tinha post novo aqui e dei uma clicada.
Que engraçado tudo isso. :-)
Mas é verdade também que nossos limites desaparecem (ou se delimitam)à medida em que nos preparamos para enfrentá-los.
Abraços
Sue

Larissa disse...

Deve ter sido bem engraçado! Mas a lâmpada vc sabe trocar, né? (hihihihi)

Unknown disse...

Tua odisseia foi igual a minha. Pensei que filósofo (ou aprendiz de pensador, como me classifico) fosse capaz de resolver tudo. Só que minha pia tinha duas torneiras e acabei metendo um treco para fechar a que eu supunha que estava consertando. Por isso é que repito a meus alunos, tenho sempre muita coisa ainda a aprender, com todos os 78 anos nas costas. Um cheiro do Mané Bessa

Francisco Teixeira Xico Branco disse...

Boa história. Eu, pela própria condição de vida, sempre me meti a fazer serviços domésticos. Hoje faço de um tudo em casa. Mas sempre temos o que contar. Já levei choques, banhos, marteladas no dedão (e como dói), cai de escada. Teve um tempo que a coisa tava feia e até pensei em colocar anuncio no jornal pra ser profissional estilo "marido de aluguel", mas acabei desistindo. Pior de tudo, minha torneira ta pingando faz alguns meses. Já olhei pra ele algumas vezes, ela me encara e continua a chorar; cada dia mais. Acho que qualquer dia entro na cozinha e a encontro afogada nas próprias "lágrimas".

Unknown disse...

Quando as torneiras dão problema assim, eu prefiro já trocar para não ter stress