segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Dois graus à esquerda


Um formigueiro de pessoas correndo para comprar presentes para os seus, estacionamentos apinhados, lojas cheias de gente e de filas. Vendedores no seu limite, mães zanzando pressurosas, pais as seguindo com sacos na mão, literal e metaforicamente. Madrinhas disputando a última Miracle Baby a tapa, mulheres pequenas carregando nas costas motos elétricas que não caberão na mala do carro. É ou não é um retrato do Natal?

Como passei dos quarenta, já aprendi que todas as coisas têm mais de um sentido sempre. Basta se deslocar dois graus à esquerda e o ponto de vista muda a vista do ponto. Como eu me desloquei e pude ver o retrato de Natal de outro ângulo? O presente que minha filha Clara, de dois anos e meio, vem pedindo desde que os primeiros acordes de Jingles Bells começaram a tocar acabou em Campinas, onde estou para as festas com a família da Bi. Liga daqui, liga para lá, espera no telefone. Nada. Mil lojas de brinquedos e nenhuma imaginou que o caixa de supermercado das Superpoderosas iria bombar. Moral da história: viajei 100 km ida-e-volta até Jundiaí para cumprir o que Papai Noel prometera. Você, leitor, não tem idéia do prazer que eu tive ao por as mãos na caixa e ver aquelas meninas olhudinhas rindo para mim. Eu me senti criança de novo. A vendedora perguntou se era para mim.

Comprar presente para ver a alegria do filho, da mãe, do pai ou do irmão é motivação mais do que suficiente. Mas é isso que deve mover a compra: a alegria pelo e do outro. O mundo tem de ficar melhor no Natal. Não vale fazer igual a uma mulher que xingou a moça do caixa da loja de brinquedos porque ela, em vez de lançar a compra no crédito, lançou no débito. A mocinha ficou com olhos cheios d’água. Esse presente não vale. Ele serviu para humilhar,diminuir, deixar o mundo mais amargo. Não rola fazer as coisas se não forem motivadas pelo amor, pelo afeto. Tudo bem, leitor, pode dizer que estou meloso porque estou mesmo. Natal me deixa assim. Luzes piscantes e músicas de harpas servem para me lembrar que Natal é nascimento e que, portanto, é época de fazer nascer um outro eu, melhor e que alegre o mundo cinza.

Proponho o exercício da troca neste Natal. Troquemos presentes como nossas crianças. Vamos dar a elas Amazing Anandas, Pop Star Melodies, motos gigantes, bonecos do Ben 10 ou Wii’s. O que eles pedirem. E recebamos delas sua forma mais feliz de ver o mundo, sua confiança imediata no outro, seus sorrisos frouxos nas situações mais esdrúxulas, a sua capacidade de rir do mundo e, mais importante, de rir de si.

Aristóteles escreveu já faz um tempão: “Ninguém é dono da sua felicidade. Por isso, não entregue sua alegria, sua paz, sua vida nas mãos de ninguém, absolutamente ninguém. Somos livres, não pertencemos a ninguém e não podemos querer ser donos dos desejos, da vontade ou dos sonhos de quem quer que seja”. Só dos nossos, eu completo. Com perdão da aliteração, inove em 2009. Olhe-se de outro ângulo e perceba o que você nunca viu no espelho. Seja mais criança. O Natal é uma época excelente para isso.

Em chinês, o mesmo ideograma significa “crise” e “oportunidade”. O sentido sempre pode ser outro. Seja o sentido dos fatos, da vida, do Natal, de nós mesmos. Basta se deslocar dois graus à esquerda. Feliz Natal.

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